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Caldas da Rainha, 27 de setembro de 2043

Neste mesmo dia de há 20 anos, abalei do Fundão na companhia do Hernâni e da Cátia, para ir ao encontro de educadores amigos, nas Caldas da Rainha – o João, a Carla, a Dora, o Luís, a Rita, a Adélia, a Andreia e outros extraordinários seres humanos. Tive, também, ensejo de reencontrar um velho companheiro de andanças sindicais, naquele tempo investido nas funções de Secretário de Estado da Educação. 

Na “Casa Antero”, um almoço acompanhado de um tinto de excelente cepa, nos preparou para um evento que viria a marcar o rumo do projeto de humanização iniciado por pais e mães conscientes da necessidade de intervir na Escola, para que a Educação assegurada por uma efetiva Escola Pública fizesse dos seus filhos seres mais sábios e pessoas mais felizes.

Constituiu agradável surpresa a presença da senhora vereadora da educação e dos diretores dos agrupamentos do município. Num largo painel, se sucederam intervenções de natureza diversa. Escutei o discurso escutado, há vinte, trinta, quarenta anos atrás. Mas, também, se fizeram ouvir oportunas considerações sobre o atual estado da Educação.

Agradeci a iniciativa dos educadores que tornaram possível a realização do encontro e fiz votos de que fosse feito de fraterno convívio, que decorresse num ambiente de colaboração e debate construtivo. Assim foi. E algumas intervenções foram proferidas com extrema transparência, num tom “puro e duro” (expressão usada pelo representante do ministério).

Deixei por lá algumas recomendações, para que à euforia não sucedesse a inércia: que fosse redigida uma ata do encontro; que se constituísse uma ARCA (Assembleia de Redes de Comunidades de Aprendizagem) e retomados os contatos com o ministério, para que um Grupo de Traballho fosse criado e o projeto tivesse reconhecimento oficial. 

Também sugeri a integração das escolas com “turmas piloto” no projeto “Comunidades de Aprendizagem” do Ministério da Educação. E o estabelecimento de um calendário de encontros periódicos com o ministério, para aprofundamento do conceito e da prática de “comunidades de aprendizagem”.

O mestre de cerimónias leu um texto, que considero oportuno recordar, por ter dado o mote das intervenções:

“Os projetos humanos contemporâneos não se coadunam com as práticas escolares de que dispomos. Carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica baseada no saber cuidar e conviver. 

Se a modernidade tende a remeter-nos para uma ética individualista, nunca será demais falar de convivência e diálogo, abandonar estereótipos e preconceitos. 

Escola são pessoas. Os seres humanos agem em função de valores e princípios de ação, que dão origem a projetos. E a aprendizagem acontece, quando vínculos são criados numa relação pedagógica e antropagógica, numa fusão de práticas fundadas nos paradigmas da instrução, da aprendizagem e da comunicação.

A partir do que somos, daquilo que sabemos e do que sabemos fazer, é urgente humanizar a Educação, religando Família, Escola, Sociedade, em  comunidades e redes de aprendizagem promotoras de desenvolvimento humano sustentável.

É possível mudar e inovar, fazer uma Escola que a todos e a cada qual dê oportunidades de aprender a ser, a conhecer e a conviver;

É preciso substituir um obsoleto sistema de ensino por uma nova construção social de aprendizagem, na qual se a todos se assegure o direito à educação, a uma educação, efetivamente, integral.”

A viagem até Lisboa e o saborear de uma saborosa sopinha confecionada pela Filipa foram o complemento de um dia semeado de bons augúrios. 


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