Naquele tempo, eram muitas as escolas que, para atrair matrículas, propagandeavam terem adotado “o Método da Ponte”, como se a Ponte fosse “um método”. Outras tentavam usar o vosso avô como aquilo que os brasileiros designavam de “garoto propaganda”. Certo é que, enquanto o vosso avô, gratuitamente, ajudava a melhorar a vida de professores e crianças, muita gente fazia fortuna palestrando sobre a Escola da Ponte.
A imoralidade grassava num sistema de ensinagem obsoleto. Para aqueles que se aproveitavam de trabalho alheio, a ética era coisa de papalvo. Frequentes eram as pequenas traições e abusos de confiança. Não foi o caso da Lilian.
Conheci a Lilian na escola do homem rico. Fora contratada pelo dono da escola, para com ele colaborar na destruição de um projeto que, com a Claudia, eu havia desenvolvido naquela escola. O projeto se dissolveu entre os caprichos do dono dessa escola e a conivência de dadores de aula, que, para não perderem o emprego, perderam a dignidade. A sua desonestidade intelectual foi recompensada com tablets oferecidos pelo dono da escola, que acreditava que o dinheiro poderia comprar consciências.
Queridos netos, vos pouparei à descrição de fatos pouco edificantes, aos efeitos da negação de valores consagrados no projeto dessa instituição, do autoritarismo de uma coordenadora, do conservadorismo de famílias-clientes de uma escola-fraude.
O trabalho sério de reflexão sobre as práticas, um acervo de rica documentação arquivada num computador, desapareceu “misteriosamente”, provavelmente, pelas mãos de uma coordenadora. Conceitos como “democraticidade, diálogo e responsabilidade ética” continuaram a enfeitar o projeto (escrito), enquanto os padrões de comportamento cotidiano refletiam uma herança civilizatória contraditória com a matriz axiológica.
Atenta às intenções do contratante, a contratada Lilian reagiu com lealdade, mas em relação ao projeto. Isso mesmo, queridos netos, aprendi com a Lilian o valor da lealdade. Com essa amiga, aprendi que, no seio de uma crise moral, ainda valia a pena acreditar nos professores.
Naquela tarde, coube à Lilian fazer-me perguntas, num encontro promovido pelo amigo Paulo (eu chamava amigo a todos os amigos das crianças). Foram perguntas certeiras, que despertaram tristes memórias e me fizeram reagir emocionalmente, lançando no auditório outras certeiras perguntas.
Concluí, pedindo aos educadores presentes que assumissem um compromisso ético com a Educação. Convidei-os a tomar a decisão ética de reelaborar a sua cultura profissional, para que a todos os seus alunos fosse garantido o direito à Educação:
“Sede leais às crianças.”
Diz-nos o dicionário que lealdade é qualidade, ação ou procedimento de quem é leal, honesto, fiel a compromissos. A lealdade, como qualquer outro valor, com gente leal e no exercício da lealdade se aprende, no seio familiar, no cotidiano das escolas ela se cultiva.
Não nascemos reflexivos; aprendemos a refletir. Não nascemos com virtudes; aprendemos virtudes. Em extraordinárias escolas aprendei a lealdade a ideários. Com outros educadores, busco assumir o princípio básico de Santo Agostinho: quando não se pode fazer tudo o que se deve, deve-se fazer tudo o que se pode, sendo leal a si.
No Brasil, reaprendi a lealdade a novos companheiros de projeto. E o que aconteceu?
