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Alcoutim, 28 de setembro de 2044

Entregando os “estudos de caso” nas mãos competentes de juristas, aproveitamos este início de Primavera (o outono português) para questionar o modelo educacional instrucionista imposto às escolas nos idos de vinte.

O vosso avô tinha quatro anos de idade, quando Einstein e Russel publicaram um manifesto:

 “Estamos falando nesta ocasião, não como membros desta ou daquela nação, continente ou credo, mas como seres humanos membros da espécie Homem, cuja existência contínua está em dúvida. Temos que aprender a pensar de uma nova maneira. Temos que aprender a nos perguntar”.

Pensar de uma “nova maneira”! E “aprender a perguntar”!

Os subscritores do manifesto de 1955 contestavam a utilização de armas de destruição em massa. Em 2024, seria abusivo considerar o “instrucionismo” como arma de destruição em massa? 

Alguns amigos teóricos o criticavam, como fez o amigo Celso na sua “Crítica Epistemológica ao Instrucionismo”:

“Epistemologicamente, o "Querer" implica eleição do objeto. Para conhecer, o sujeito precisa estabelecer um vínculo cognitivo com o objeto a ser conhecido, colocar a atenção sobre ele. Desta forma, passará a estabelecer uma relação com o objeto, que já não será mais de indiferença, de mera coexistência ou de justaposição. A atividade de conhecimento é voluntária, implica a atenção deliberada.” 

O amigo Celso referia-se a um dos princípios gerais da aprendizagem propostos por Brunner e Vygotsky. Para acontecer produção de conhecimento, a aprendizagem teria de ser significativa, integradora, diversificada, ativa e socializadora. Hoje, sabemos que nenhuma dessas condições poderia ser assegurada em sala de aula. Escutemos o amigo Celso:

“É enorme a passividade dos alunos. A ação, quando ocorre, é mecânica, repetitiva. Para um observador externo, parece que os alunos estão sempre em atividade, pois estão ouvindo o professor, ou fazendo exercícios. Ledo engano. Ouvem (ou fingem ouvir), todavia não entendem, pois não há comunicação, mas extensão (Freire). Nos exercícios, buscam os “macetes”, sendo que, no caso da Matemática, os próprios professores participam da grande mentira, na medida em que, por exemplo, respondem, quando os alunos perguntam, se é “de mais ou de menos”... Ora, o que poderia existir de Matemática ali no exercício era justamente isto, qual seja, identificar qual o movimento das quantidades (crescente ou decrescente)! O resto é algorítmo, que até uma máquina faz!”

Era cruel, mas fundamentada, esta desmontagem da escola da aula, secundada pelo amigo Pedro, quando se referia a um documento espúrio, que dava pelo nome de BNCC:

“A BNCC é apenas um repositório de conteúdos curriculares organizados conforme alguma lógica acadêmica e didática, não pode recriar a escola, por mais que isto solicite. Também não muda os professores, condição maior para termos “outra escola”. Os conteúdos codificados alfanumericamente (para que nenhum escape ao controle instrucionista), serão, provavelmente, transmitidos como sempre foram, porque é isto que o sistema, ao final, exige, não aprendizagem. E porque os professores foram “deformados” para este tipo de atividade instrucionista, na faculdade.”

Ao longo de mais de 200 anos, a escola “instrucionista” – a da sala de aula – cometera o crime de abandono intelectual de milhões de alunos, um verdadeiro genocídio educacional. 

Em 2024, tínhamos toda a teoria necessária para operar mudança. Mas, o teoricismo e a burocracia reinavam sobre o bom senso e a ciência.

Por que razão, em 2024, ainda havia sala de aula?


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