Com professores "marginais" aprendeu uma máxima que o iria acompanhar na sua trajetória de profissional do desenvolvimento humano: olha para o que és (ou pretendes ser como pessoa e professor), não olhes para o que outros fazem (ou não fazem, ou não são).
Ele leu tudo o que havia para ler (ou o deixavam ler), num tempo em que ninguém ouvira falar do Piaget. Se encantou com a leitura do Freinet do "texto livre", no original francês, que um exilado político lhe havia oferecido. Mas já começava a descrer da cartilha. Ele bem tentava imitar o Celestin e a Elise, mas os quarenta alunos, que havia herdado de um austero professor à moda antiga, não saíam dos canónicos "a vaca dá leite, ossos e carne", "a vaca é muito importante para a nossa alimentação etc."
Naquele tempo, a palavra liberdade ainda inspirava em muitos espíritos sentimentos contraditórios. De modo que, quando colocados perante a possibilidade de rabiscarem "redações" a que o jovem professor teimava em chamar "textos livres", os jovens perguntavam:
“É a lápis, ou a caneta? Quantas linhas se deixa depois do título? Quantas linhas manda escrever?”
Naquele tempo, alguns sobreviventes da última "classe masculina" tinham na ponta da língua a tabuada, sabiam de cor as estações de caminho-de-ferro e o sistema galaico-duriense, desenhavam na perfeição a caneca da praxe e ainda sabiam entoar a música (já só a música!) do hino fascista "somos pequenos lusitos", que o tempo de o Jesus do crucifixo estar ladeado por dois ladrões ainda não ia longe e a Biblioteca Popular do Salazar não tinha sido desmantelada, apesar da ordem expressa dos novos poderes.
O professor desta estória já havia trocado o livro didático pelo “texto livre” e pelo “livro da vida”. “Invertera a aula”, com recurso a “ficheiros autocorretivos”. Já havia instalado a “imprensa Freinet” e feito funcionar a “correspondência escolar” e a “cooperativa escolar”. Realizara “assembleias de turma” e muitas “aulas-passeio”. Foi, então, que entendeu – dizem os brasileiros que os portugueses demoram a entender – o busílis da questão.
Eureka! O professor continuava sozinho, na sala de aula, com a sua “turma”! À semelhança de escolas Waldorf, escolas montessorianas e pedagógicos quejandos, ele enfeitara o sarro da “sala de aula” com uma parafernália de dispositivos escolanovistas, sem que, efetivamente, lograsse passar o centro do processo de aprendizagem do professor para o aluno. Até que a Ponte se fez.
Entre os meses de setembro e dezembro de 2024, disponibilizei o final da manhã de sábado (o início da tarde em Portugal) para realização de encontros de educadores, que tivessem tomado a decisão ética de Mudar e de Inovar.
Renovei o convite para regenerar o Sistema e humanizar a Educação. Enviei-lhes alguns documentos e propus que cumprissem algumas tarefas primordiais.
No último sábado desse setembro, “saí da cena formativa” e lhes pedi que, na minha ausência, conversassem sobre as dificuldades até então sentidas. Pedi-lhes, também, que registassem tudo o que fosse dito e que iniciassem “estudos de caso”, na busca de explicações e modos de ultrapassar obstáculos.
Ausente do terceiro encontro de formação de formadores, iniciei a escrita de rascunhos, que poderiam servir de base à elaboração de “estudos de caso”. Amanhã, vos darei conta do primeiro.
