Quando assumi ser cidadão maricaense, o convite foi reforçado pela secretaria de educação, através da formalização de um “termo de referência”, no qual me era solicitada a criação de uma rede de comunidades de aprendizagem. Adquiri um terreno e o entreguei à guarda de educadores que viriam a ser coautores da primeira das redes de comunidades.
Dificuldades várias provocaram um hiato de dois anos entre a assunção de um compromisso e o “Praticar Darcy”. Parecia que o poder público passava por uma crise de amnésia. Esquecera-se de que solicitara a realização de um projeto. Se esquecera da existência de um Grupo de Trabalho, da publicidade que fizera dos excelentes efeitos do projeto, ainda que numa fase embrionária. Parecia ter esquecido a aprovação de um termo de autonomia. Enfim!
Prevalecia nas escolas desse município um modelo de ensino obsoleto, causa de analfabetismo literal e funcional e de outras exclusões. Alunos de escolas próximas, que frequentavam o quarto ou o quinto ano do Fundamental não tinham aprendido a ler.
Trabalhando em precárias condições, os educadores residentes na comunidade iam fazendo alfabetização e operando outros “milagres”. Dentro dos limites impostos pelas circunstâncias, pude intervir de modo a identificar um significativo potencial de mudança e educadores disponíveis para operar transformações. A implantação de protótipos de comunidade de aprendizagem marcaria a transição para práticas fundadas nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação, propiciadoras de um desenvolvimento local sustentável, e de educação integral: contemplando a multidimensionalidade da experiência humana – afetiva, ética, sócio emocional, cultural, intelectual, espiritual.
Praticávamos Darcy. Muitas vezes, subira o morro de Santa Teresa e, na sede da fundação que levava o seu nome, relia mensagens do Mestre:
“O Brasil, o último país a acabar com a escravidão tem uma perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso. A crise da educação brasileira não é uma crise, é um projeto.”
Mais do que projeto, a crise era quase um “caso de polícia”. Prefeituras contratavam a peso de ouro empresas que perenizavam o velho paradigma escolar, reprodutor de oprimidos e opressores, que o malogrado secretário de educação Paulo Freire tanto denunciou – um Ideb pífio e alunos de 5º ou 8º anos por alfabetizar eram prova de nulo o impacto social dessas iniciativas.
Quando o poder público negava direito à educação, asfixiando financeiramente projetos de mudança, eu os patrocinava. Mas, nos idos de vinte, cheguei ao extremo da disponibilização de recursos, contraindo dívidas, para ajudar a manter protótipos de comunidade de aprendizagem e matar a fome de crianças pobres vivendo em condições sub-humanas… em municípios ricos.
Ajudei a constituir um “círculo de financiamento”. Passei para o coletivo uma responsabilidade que eu nunca deveria ter assumido individualmente. E perguntei:
Por que não denunciais o “desperdício” de dinheiro e de gente perpetrado por um poder público esbanjador?
