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Itaipuaçu, 25 de outubro de 2044

Na Ponte, eu havia aprendido a fazer uma educação de transição do século XIX para o século XX, do centro no professor para o centro no aluno – sujeito autónomo, protagonista, no centro do processo de aprendizagem. 

No Projeto Âncora, o sujeito de aprendizagem agia no contexto de uma comunidade – compreendi que o centro do processo não era o professor, mas também não seria o aluno. Não havia centro, havia relação humana, uma relação pedagógica e antropagógica que deveria ser... humanizada.

Nos idos de vinte e quatro, voltei à sala de aula. No chão de escola, trabalhei com educadores éticos – trabalho de equipe – reaprendendo a fazer pontes para uma educação do século XXI. E voltei à Ponte, para que ela voltasse a assentar raízes numa comunidade de onde nunca deveria ter saído.

Quando tentava colocar alguma ordem no caos dos meus velhos arquivos de papel, dei com um documento que passava por ser orientador de política educacional de uma secretaria de educação brasileira das primeiras décadas deste século. Dou-vos a conhecer parte do seu conteúdo, pois foi uma referência para aqueles educadores que, há vinte anos, inauguraram uma nova era educacional.

Era um belo exemplar de proposta escolanovista e ia muito além daquilo que herdeiros de Montessori ou de Steiner praticavam. Nesse tempo, as escolas permaneciam ancoradas em práticas em tudo contrárias ao teor do documento.

Os herdeiros de Freinet e de Dewey recriavam uma suposta aprendizagem centrada no aluno, “dando aula”, centrada no solitário professor. Os seguidores de Piaget e Vygotsky consumavam a psicologização da escola misturada com o sarro do paradigma instrucionista.  

Em contraponto, o documento já apontava para a necessidade de a cidade se constituir em espaço educador, que possibilitasse o encontro dos sujeitos históricos, transformando os prédios das escolas em ágoras de aprendizagem mútua, espaços de novas oportunidades educacionais. Afirmava que a formação dos indivíduos não se restringia ao espaço físico escolar. Era uma proposta integrada na vida comunitária, promotora de uma efetiva educação pública, o assegurar de um direito subjetivo contido na Constituição.

Em consonância com os ideais de Anísio, Lauro criticava a “pedagogia predial”, que entendia a educação integral limitada ao aumento do tempo de permanência dentro de um prédio chamado escola. Integral seria a educação que cumprisse a função social assumida pela secretaria – “garantir educação pública de qualidade para todos os cidadãos” – o que não acontecia, dada a contradição existente entre teoria e prática. 

Em 2024, as “aprendizagens significativas e emancipatórias” apenas existiam no papel. A “integração entre Escola e Comunidade na perspectiva da gestão democrática” era uma miragem. A criação de uma “Cidade Educadora” e a reorientação dos projetos político-pedagógicos segundo os eixos contidos no documento de política educacional estavam muito longe de serem operacionalizados. Nas instituições de formação, a única modalidade de formação era o velho curso, com essa ou com uma “híbrida” designação. 

Em contradição com o discurso, a Administração Educacional mantinha as escolas cativas de práticas educacionais do século XIX. Conscientes da “obesidade da palavra” e da “anorexia da prática”, integrando contribuições dos paradigmas da comunicação, instrução e aprendizagem, praticávamos uma aprendizagem simultaneamente remota e próxima – os círculos de aprendizagem. 

No outubro de 24, saudamos a chegada do século XXI da Educação.


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