Energúmeno é um termo de vasto espectro semântico. Daí que, cumprindo o prometido em cartas anteriores, vos fale do uso e abuso dessa palavra, nesses conturbados tempos.
Nesse tempo, a Lei de Diretrizes e Bases completava trinta e três anos, o item de desenvolvimento da educação básica não deslanchava e o índice de proficiência em língua portuguesa e matemática estacionava em miseráveis percentagens.
O Brasil ocupava os últimos lugares do PISA (para que saibam, era uma avaliação internacional, que, supostamente, media o nível educacional de jovens de 15 anos). Dado que a culpa não morre solteira, os políticos enjeitavam responsabilidades, ignorando serem, também, responsáveis pelo fraco desempenho dos jovens. Isso mesmo: agiam na ignorância da sua ignorância. E ignorância é uma das acepções da palavra “energúmeno”. dicionário nos dizia que esse vocábulo também designava o insensato, aquele agia de modo inconsequente, pessoa irresponsável, de difícil entendimento. Sem consciência das maldades que arquitetava, o insensato criticava aquilo que era incapaz de compreender, ofendendo a memória de eminentes educadores.
No arcaico mundo de há vinte anos, vivíamos convulsões sociais e políticas, clivagens se agravavam. Urgia que secássemos as mágoas, nos escutássemos e nos uníssemos numa causa comum: a da Educação. Porém, muitos daqueles que detinham poder percorriam “velhos caminhos modernos” como lembrava Maffesoli. Seres humanos desumanizados, bonsais humanos agindo para impedir a regeneração do Sistema que os produziu. A gíria brasileira, sempre pródiga em sugerir sugestivas imagens, assim descrevia a sua desastrosa ação: continuavam “a agir como cegos no meio de um tiroteio”.
No início desta década de quarenta, o racionalismo e o individualismo deram lugar à emoção e ao ato coletivo. E essas nocivas criaturas cederam o lugar a uma nova geração de políticos, gente emancipada de energumenescências endêmicas, ou sindrômicas.
Se a língua portuguesa é rica em sinónimos, ela também pode ser, por vezes, traiçoeira. Nesses sombrios tempos, um candidato a prefeito dirigiu-se aos seus eleitores nos seguintes termos:
“Com a minha fé e as fezes de vocês, vou ganhar a eleição”.
O político era ignorante das regras de formação do plural das palavras, mas escasso dano causava à nação. Bem mais gravosos eram os atos dos bons faladores e perfeitos conhecedores da gramática, energúmenos que usavam da verve para caluniar e manipular.
Apercebia-me de que muitos dos energúmenos não sabiam que o eram. Por isso, eram merecedores de compaixão. Nas minhas orações para eles rogava perdão – também eram criaturas de Deus e não sabiam por que faziam aquilo que faziam.
In illo tempore, eu acreditava que, além de serem criação divina, eles passariam à condição seres humanos, quando nascessem de novo, tomassem consciência e se arrependessem dos seus pecados – conforme “Gálatas, capítulo 3, versículo 26: sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus”.
Foi o que aconteceu já durante a terceira década deste século, muito por força de mudanças operadas por uma nova geração. A Ana, filha da Sissa, jovem de quinze anos, que demonstrava plena consciência da obsolescência da escola da sala de aula, isto escreveu:
“Saímos da escola, corpos sem almas, sabendo quase nada do essencial”.