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Patos de Minas, 29 de novembro de 2044

Nos idos de vinte, para muitos dos improvisados candidatos à docência, o objetivo era apenas o de conseguir um diploma. Promovidos a “dadores de aulas”, reproduziam o modelo da ensinagem experienciado enquanto alunos, no tempo das aulas de blá, blá, blá e power point.

Um auleiro (neologismo criado pelo amigo Pedro) queixou-se do seu magro salário e pediu-me que lhe “ensinasse o método da Escola da Ponte” (sic). Expliquei-lhe que não se tratava de um método, facultei-lhe dispositivos e documentos por nós utilizados e gastei muito tempo a descrever o modo como trabalhávamos.
Anos depois, encontrei-o num congresso, na qualidade de palestrante. Havia descoberto que a cientificidade poderia ser substituída pela “citabilidade”. Fez doutorado… e já era consultor. Longe ia o tempo do magro salário de professor de escola pública.
Nas minhas andanças pelo Brasil da Educação, encontrei consultores “especialistas”, disfarçavam a sua ignorância sofisticando o discurso, enfeitando-o de frases de belo efeito. Estavam na moda expressões como “inovação em sala de aula” e “metodologias ativas em sala de aula” – como se fosse possível desenvolver tais metodologias ou inovar em sala de aula! – e eram aplaudidos.
“Consultores” eram contratados por escolas privadas, para recuperação de crédito, para saber como lidar com boleto vencido e sair da situação de inadimplência. Havia-os também nas secretarias de educação, na qualidade de assessores, ensinando a gravar videoaulas, a validar aulas remotas, a fazer avaliação à distância – como se aulas remotas servissem para alguma coisa e uma prova virtual fosse avaliação! Enfim!
Legitimadas pelo discurso dos “consultores” as escolas particulares viviam na ilusão de serem “boas escolas”. E as secretarias esbanjavam recursos, pagando “projetos” tão velhos e tão inúteis como aqueles que outros “consultores especialistas” tinham vendido às gestões anteriores.
A maioria dos consultores era formada em pedagogia e marketing, pelo que me assaltava uma dúvida: esses “especialistas” agiriam por ignorância, ou intencionalmente? Com mágoa e preocupação, concluí que usavam a ignorância alheia para enriquecer. E, como o assunto não merece mais arengar, vos deixo com uma anedota, que caracteriza esse tipo de “consultor especialista”.
Estava o pastor apascentando o seu rebanho, num verde pasto dos cafundós das Gerais e eis que um carro para na estrada. Dele sai um jovem bem parecido, paletó de executivo, pasta de computador na mão, e dele se aproxima.
“Bom dia, doutor! – saudou o pastor – Uai! O que cê faz nesta biboca de Deus? Aqui só passa cata-jeca.
Venho fazer-lhe uma proposta – respondeu o jovem.
Bão, mar bão mermo!
Se eu adivinhar quantos animais você tem no seu rebanho, você me dá uma ovelha?
Combinado. Mas olhe que é difisdemais…
O jovem ligou o computador e instalou uma antena parabólica.
Uai! Cê besta, trem?
É um computador. Tecnologia!
Feitos os cálculos, o jovem disse que o rebanho tinha duzentos e trinta e dois animais.
Certo! – confirmou o pastor – Cê pode pegar uma ovelha.
O jovem assim fez.
Quando se preparava para partir, o pastor assim falou:
Eu sei o que cê mexe com que.
Você disse que sabe qual é o meu trabalho? Foi isso? – replicou o jovem.
Sim. E, se eu acertar na sua profissão, cê devolve-me o animal?
Claro! Mas não vai conseguir. É uma profissão muito nova!
Eu acho que cê é consultor.
Certo. Mas, como soube que eu sou consultor?
Porque cê chegou e eu não o tinha chamado. Disse-me aquilo que eu já sabia. E, entre tantos animais, levou-me… o cachorro.”

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