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Alvorada do Norte, 26 de janeiro de 2045

Quando tentava colocar alguma ordem no caos dos meus velhos arquivos de papel, dei com um documento que passava por ser orientador de política educacional de uma secretaria de educação brasileira das primeiras décadas deste século. Dou-vos a conhecer parte do seu conteúdo, pois foi uma referência para aqueles educadores que, há vinte anos, inauguraram uma nova era educacional.

Era um belo exemplar de proposta escolanovista e ia muito além daquilo que herdeiros de Montessori ou de Steiner praticavam. Nesse tempo, as escolas permaneciam ancoradas em práticas em tudo contrárias ao teor do documento.

Os herdeiros de Freinet e de Dewey recriavam uma suposta aprendizagem centrada no aluno, “dando aula”, centrada no solitário professor. Os seguidores de Piaget e Vygotsky consumavam a psicologização da escola misturada com o sarro do paradigma instrucionista.  

Em contraponto, o documento já apontava para a necessidade de a cidade se constituir em espaço educador, que possibilitasse o encontro dos sujeitos históricos, transformando os prédios das escolas em ágoras de aprendizagem mútua, espaços de novas oportunidades educacionais. Afirmava que a formação dos indivíduos não se restringia ao espaço físico escolar. Era uma proposta integrada na vida comunitária, promotora de uma efetiva educação pública, o assegurar de um direito subjetivo contido na Constituição.

Em consonância com os ideais de Anísio, Lauro criticava a “pedagogia predial”, que entendia a educação integral limitada ao aumento do tempo de permanência dentro de um prédio chamado escola. Integral seria a educação que cumprisse a função social assumida pela secretaria – “garantir educação pública de qualidade para todos os cidadãos” – o que não acontecia, dada a contradição existente entre teoria e prática.

Em 2025, as “aprendizagens significativas e emancipatórias” apenas existiam no papel. A “integração entre Escola e Comunidade na perspetiva da gestão democrática” era uma miragem. A criação de uma “Cidade Educadora” e a reorientação dos projetos político-pedagógicos, segundo os eixos contidos no documento de política educacional, estavam muito longe de serem operacionalizados. Nas instituições de formação inicial e continuada, a única modalidade de formação era o velho curso, com essa ou com uma “híbrida” designação. E os professores compravam planejamentos de aula pronto-a-vestir.

A maioria dos alunos aprendia (muitas vezes, o que não deveria aprender) na interação com um celular (proibido em sala de aula). A criminosa insistência nas práticas instrucionistas era uma das causas de abandono intelectual dos jovens:

“Tia, eu só tenho um celular. É o da minha mãe. Só à noite, quando ela volta do trabalho, é que posso usá-lo. E somos cinco irmãos. E o crédito acaba…”

Em contradição com a sua proposta educacional, a secretaria mantinha as escolas cativas de práticas educacionais do século XIX. Conscientes da “obesidade da palavra” e da “anorexia da prática”, educadores rejeitaram o ensino à distância, praticando aprendizagem numa proximidade remota. Em processos formativos, que os consideravam, não como objetos de instrução, mas como sujeitos de aprendizagem, operaram a integração do paradigma da instrução com práticas fundadas nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação.

Criados os núcleos de projeto, definidas as matrizes axiológicas e os princípios de ação, por toda a parte surgiram círculos de aprendizagem inspirados no Fazer a Ponte. Havia chegado o século XXI da Educação.

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