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Carvalheiras, 24 de janeiro de 2045

A concretização do Projeto Fazer a Ponte não supunha apenas dedicação e profissionalismo – exigia profunda identificação com o ideário que o suportava e até mesmo algum sentido de “missão”. Só estes ingredientes tornavam humanamente gratificante o sacrifício que, diariamente, era pedido aos membros da equipa.

A extrema precariedade das instalações e o número excessivo de alunos rejeitados ou abandonados por outras escolas, que na nossa encontraram uma última oportunidade de escolarização, obrigavam a um permanente e tantas vezes penoso esforço de autossuperação.

A dedicação e o sacrifício têm, porém, limites. E, nos idos de noventa, muitos membros da equipa, apesar de continuarem apaixonados pelo trabalho que faziam, comunicaram-me que não estavam dispostos a continuar, se não houvesse da parte do Ministério garantias claras de que, num prazo de tempo razoável, seriam superados os estrangulamentos que ameaçavam a sobrevivência do Projeto.

Consciente da delicada situação, o Manuel, presidente da Associação de Pais, assim se dirigia ao Ministro da Educação:

“Há mais de três meses, aguardámos uma resposta à exposição que lhe dirigimos. E, há quase dois anos, a Escola que escolhemos para os nossos filhos espera do Governo da República uma decisão que acautele e assegure o seu futuro.

O silêncio de V. Excia. (que esperamos não signifique indiferença pela sorte dos nossos filhos), tão inexplicavelmente mantido ao longo dos últimos meses, está já a converter-se para nós numa ofensa. Em qualquer Estado Democrático, os cidadãos têm direito a serem esclarecidos pela Administração sobre o andamento dos processos que lhes digam respeito. Esse direito continua a ser-nos negado por V. Excia.

Portugal não é tão propenso à inovação e à qualidade no ensino que se possa dar ao luxo de dispensar a existência de uma Escola que tanto prestígio continua a trazer ao nosso país, como nós e os nossos filhos constantemente temos a felicidade de constatar.

Para nós, Pais, a paciência esgotou-se. Reuniremos no próximo sábado, a partir das 15:30 horas, para analisar, uma vez mais, a situação em que se encontra a Escola e para tomar decisões. Estamos certos de que V.Excia. não desejará empurrar-nos para tomadas de posição radicais, que estamos dispostos a assumir.

Aguardaremos mais 24 horas por resposta ou pelo compromisso de comparência na nossa assembleia de um representante qualificado de V. Excia. que, olhos nos olhos, nos preste todos os esclarecimentos a que temos direito.

Se a indiferença se mantiver, os Pais desta Escola agirão em conformidade e não olharão a meios para chamar a atenção do País e do estrangeiro para a forma verdadeiramente lamentável como o Ministério da Educação tem vindo a tratar os nossos filhos. Que a razão o ilumine!”

A razão não “iluminou”…

Mancomunado com a Câmara Municipal, o ministério ostracizou o projeto. Mediocridade e corrupção moral foram ingredientes para, decorridos alguns anos e ilegalmente, a câmara municipal e o ministério condenassem a Escola da Ponte ao exílio.

Foi essa a razão principal do meu “regresso” ao chão da Escola da Ponte, ao lugar onde nasceu e de onde nunca deveria ter saído.

Recordo que, em 2012, os pais rejeitaram a ministerial “ordem de despejo”. A decisão dos órgãos de direção e gestão foi desrespeitada. No início de 2025, numa conversa tida com a coordenadora do projeto, ela afirmou que a direção e a gestão da Ponte foram ameaçadas e “obrigadas” a cumprir a ordem dada pelo ministério e pela câmara municipal.

Vivíamos num Estado de Direito?

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