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Caçapava do Sul, 19 de fevereiro de 2045

No interior gaúcho se implantou um dos projetos mais consistentes de quantos ajudei a criar: a Escola da Floresta. Fui ver como o amigo Bruno e a sua equipe testavam teoria construída ao longo de mais de meio século. E a formação experiencial observada na Escola da Floresta me mostrava que se deveria partir de práticas “disruptivas”, como as da Ponte, do Âncora, ou da Escola Aberta, para as instalar, as analisar criticamente e, prudentemente, inovar.

Nesse projeto confirmei aquilo que começara a compreender no início deste século. Isto é: se o centro dos processos de aprendizagem não deveria ser o professor, também não seria o aluno – não havia centro, mas relação humana.

As práticas instrucionistas eram obsoletas, mas as práticas neoliberais da Escola Nova não poderiam prescindir de contribuições do paradigma da instrução. Deveria haver um modo de integrar essas práticas com aquelas fundadas no paradigma da comunicação. E eis que surgiam... “divergências”.

“Tem de cumprir a lei da secretaria!”

A resposta devida:

“A lei que se tem de cumprir é a Constituição, a Lei de Bases e outras formas de proteger a infância de uma escola que não ensina, nem educa, que condena milhões à ignorância, à exclusão. E assegurar a projetos como o da Escola da Floresta condições de consolidação, a saber: um termo de autonomia e garantia de estabilidade da equipe.

À semelhança de outros projetos “disruptivos”, foram muitos os desafios encontrados pela Comunidade de Aprendizagem Escola da Floresta.

Apesar das reivindicações constantes das famílias e da escola pública parceira, o trabalho desenvolvido foi ignorado pela gestão anterior como política educacional, mesmo sendo reconhecido por sua qualidade e impacto. Mas, em 2025, a nova gestão autárquica mostrou-se sensível a assumir compromissos.

A Secretaria de Educação recorria à Comunidade de Aprendizagem para acolher crianças que foram “convidadas a se retirar” de outras escolas. E a Escola da Floresta foi reconhecida como capaz de lidar com a diversidade, garantindo que nenhuma criança fosse excluída do direito à educação.

No entanto, esse reconhecimento não foi acompanhado de um suporte institucional real para fortalecer e ampliar o projeto. Durante quatro anos, o projeto viveu do trabalho voluntário, sustentado pela convicção e compromisso com uma nova educação.

Foi realizada formação de educadores na proposta metodológica da Comunidade de Aprendizagem. No entanto, sempre que os educadores estavam aptos e felizes em seu trabalho, eram transferidos para outras escolas, desestruturando a equipe obrigando-a a contínuos recomeços.

E tal como aconteceu com a Comunidade de Maricá, educadores que nunca acompanharam de perto o trabalho da Comunidade de Aprendizagem espalharam boatos maledicentes que não condiziam com a realidade.

A pareceria com a Escola Eliana Bassi de Melo reforçou a seriedade e a eficácia da proposta. Essa escola viu de perto os frutos do labor do trabalho realizado pela Escola da Floresta e sua contribuição para a educação pública. E as famílias também atestaram a boa qualidade do projeto, relatando o desenvolvimento intelectual, social e emocional de seus filhos.

Em 2025, a administração educacional demonstrou abertura ao diálogo e interesse genuíno na Comunidade de Aprendizagem. Mas seriam necessários esforços concretos para compreender demandas e buscar soluções que garantissem a sustentabilidade financeira do projeto. Seria necessário exercer solidariedade ativa com a Escola da Floresta.

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Itaipu, 23 de fevereiro de 2045

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