Ao longo de meio século, recebi milhares – não é exagero! – de mensagens como esta:
Caro professor, estou num buraco negro. Tem sido um suplício, sofrimento por uma causa... Aqui, ninguém quer ver uma educação diferente. A Direção conseguiu ter terreno para fazer o que lhes adequava. Não tenho condições para defender o que quer que seja. Por lealdade e respeito pelo seu trabalho, retiro-me de um sonho incompleto (…) terminando, desejava contar com a sua ajuda para poder estar mais em paz. Ao cabo de muitas ameaças de “superiores hierárquicos”, este professor desistia.
Uma hecatombe educacional acontecia. A maioria dos estudantes estava abaixo do nível 2 em matemática, patamar que a OCDE estabelecia como necessário para que pudesse exercer plenamente sua cidadania. Muitos jovens em idade escolar não estavam matriculados, por alegada “falta de vaga”. No 3º ano do ensino fundamental, apenas metade dos alunos alcançava o aprendizado adequado em matemática. No 5º ano, mais de 20% dos alunos estavam com mais de dois anos de defasagem. O nível de proficiência em português e matemática (percentual de alunos com plenas condições de compreender e se expressar) era baixíssimo. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica era miserável – no final do Ensino Médio, não passava do 4, numa escala de 10 pontos. Menos de 5% da população sabia dessa situação e a quase totalidade das famílias desconhecia a existência do projeto da escola frequentada pelos seus filhos (esse projeto não era posto em prática, porque nem sequer os professores conheciam o seu conteúdo). E os ministérios publicavam documentos que davam pelo nome de… “Planos de Recuperação”.
Os cientistas da educação afirmavam a necessidade de profunda revisão do sistema educacional e a de produção de novas práticas. Mas, aquilo que, ciclicamente, acontecia era um retorno à mesmice.
Na lei, nada obstava a que se concretizasse uma nova construção social de aprendizagem, que a todos pudesse garantir o direito à educação. Porém, seria necessário que os quadros normativos fossem revistos e se adequassem a necessidades sociais e educacionais do século XXI. Um governador tinha ordenado à secretaria de educação que o fizesse. Impunemente, a secretaria não cumpriu a decisão do governador. O vírus da corrupção intelectual e moral afetara, profundamente, a administração educacional.
Paralelamente a essa farsa descomunal, educadores éticos organizavam roteiros de estudo, visando a reelaboração da sua cultura pessoal e profissional. Partindo daquilo que eram e do que sabiam fazer, aprenderam a utilizar dispositivos pedagógicos, a praticar a metodologia de trabalho de projeto, a fazer avaliação formativa, contínua e sistemática. Também virtualmente e conscientes de que escolas não são prédios, mas pessoas, instalaram protótipos de mudança, identificando espaços e pessoas com potencial educativo, preparando “círculos de aprendizagem”, sementes de protótipos de comunidades de aprendizagem.
Porém, a condição de projeto isolado, gerido por um bom profissional, deixava-o à mercê de destrutivos ataques. Dar-vos-ei a conhecer alguns casos exemplares, nos quais, a intervenção de um “Coletivo” obstou a que auspiciosos projetos desaparecessem. Nunca mais “se largou a mão” de quem construía futuros.
Os vendedores de bugigangas pedagógicas e a administração educacional poderiam usar de belos slogans, para enganar incautos e perenizar a farsa. Os coletivos de educadores deixaram-nos a falar sozinhos – "La comédia é finita l!".
