Em Portugal, juntei todo o dinheiro que tinha, comprei um espaço num município brasileiro e dei formação a educadores que, voluntariamente, se disponibilizaram para ali viver por um tempo.
“Zé, como faço acordos de convivência com as crianças?
Alguns acordos eles já entenderam como não correr em casa, a vez para falar, não gritar, mas agora preciso fazer acordos quando estão brincando ou jogando bola. E sobre bater. Fiz alguns acordos com eles e nenhum deles reclama. E ainda assim me amam tanto!”
A dedicação de uma voluntária penetrava o tecido social. Um projeto e uma associação tomavam forma.
“Zé, fiz amizade com uma rede de pais, são uns 10 pais. Estou fazendo um grupo no WhatsApp.
Pensei em fazer uma festa junina para as crianças, cada um traz um prato, a decoração eu tenho tudo. E podemos fazer algumas atividades nas férias com as crianças. E claro aproveitamos a oportunidade para falar sobre nossa comunidade, nossos planos.
Se todos acharem boa ideia. Você chegando organizamos tudo.”
A intenção era a de fazer da propriedade que adquiri um espaço público, criar condições de vida digna, ajudar a melhorar as condições de vida de uma comunidade constituída por famílias vivendo abaixo do limiar da miséria. Era gente nordestina e pobre, mas amorosa, esperançosa de melhores dias. Entusiásticas mensagens me chegavam:
“Ontem, recebemos um convite para um chá de bebê da vizinha. Faremos mais amigos aqui. Fiquei tão feliz com o convite. Aos poucos estamos mais felizes aqui. E conhecendo cada vez mais pessoas.
Este lugar vai ser uma referência para toda a comunidade e para o mundo.
Mas, a maioria das crianças estava por alfabetizar e passava fome.
“Hoje meu coração ficou partido. Só veio C. N. está doente,
Precisamos levá-los ao cinema. Nunca foram ao cinema Zé. Também quero levá-los ao teatro.
A nossa criança em corpo de adulto, tem o sonho de arrumar os dentes.
N. quer construir um carro. Ele começou, juntou o dinheiro do trabalho no ferro velho. Mas roubaram o carrinho dele.
Teremos tantos projetos com eles.
Eles são incríveis Zé. Se me vêem fazer qualquer coisa, todos ajudam. Ajudam a lavar a louça, a recolher as roupas. Ajudaram juntar a grama.
Ah, eles têm um tio com atraso mental, que agora também está vindo pra cá. Ele deve ter uns 40 anos, mas quando perguntei sobre a idade dele disse que tem 16. Uma pureza sem fim. Não sabe ler, não sabe os números. Quero muito ensinar. Ele brinca muito com as crianças.
Ontem eles saíram muito alegres com as doações de roupa.
O E. e P. não participaram da foto. Este pequenino menor é N. A mãe mandou-me mensagem. Disse que não sabe mais o que fazer. Que ele não faz lições na escola, que não respeita a professora. Comecei a fazer as lições com ele.
Pessoas muito boas estão chegando, Zé Conhecemos um moço que é primo das crianças. O nome dele é D.. Ele veio do nordeste e não tem onde ficar. E pensei que ele poderia ficar na casa rosa. E nos ajudar a cuidar do terreno. Ele disse que sabe fazer horta. Que já fez um pouquinho de tudo. E é uma pessoa boa, Zé.
Ontem conversando com o D., ele compartilhou que tem dois filhos no nordeste. Um deles tem síndrome de Down. Ele quer trazer os filhos para viver aqui.
Não consigo pensar em tantos acasos Zé. Apenas na sorte que temos.
Cada dia amo mais nossa comunidade.”
Era essa a comunidade que estava em risco de ser destruída.
(Entre aspas, inclui excertos de mensagens de WhatsApp)
