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Mogi Mirim, 25 de março de 2045

Neste mesmo dia, mas de há vinte anos, me despedia da Liliana, do Jorge, da Jociara, da Carol, do Marcelo… deixando-os, como ontem vos disse, com a promessa de voltar. 

Afastando-me de um “lugar” de fazer amigos, deixei-me tomar pela preocupação. Estava nascendo mais um projeto de humanização da Escola. E eu já temia pelo seu futuro, no contexto de um sistema de ensinagem obsoleto, autoritário e corrupto.
Nesse mesmo dia, decorria uma audiência, que poderia vir a ter um ingrato desfecho para a Fabi. A minha amiga era acusada de desobediência hierárquica, só porque havia dado visibilidade pública a um excelente projeto, na contramão de um modelo educacional caduco. O seu pecado foi ter assumido um compromisso ético com a Educação, enjeitando um modelo educacional, que provava milhões de alunos do direito à educação, imposto às escolas por uma Administração Educacional autoritária.
Do capítulo das conclusões de um kafkiano processo não constava o episódio da “dedetização” e aquilo que de “mais grave” poderia ser apontado: a Fabi se havia “manifestado de forma depreciativa em relação aos projetos e demandas da Secretaria de Estado da Educação, tratando como desnecessários o “Acompanhamento Pedagógico Formativo, a Avaliação Diagnóstica de Entrada, a Avaliação de Aprendizagem em Processo” (sic), tretas mais ou menos pedagógicas com que a Administração enfeitava o sistema de ensinagem.
A Fabi havia criticado o modelo educacional imposto pela Diretoria. Criticou e fez muito bem em criticar! Aliás, foi bem suave na crítica do texto de uma Resolução a que a Comissão, teoricamente, aludia e que não passava de um elenco de paliativos em voga na época e que enfeitavam documentos de política educacional – e era evidente a incoerência entre teoria e prática.
Certamente, tais considerações teriam sido redigidas por um qualquer teoricista saído das catacumbas da educação do século XIX, utilizando um blá, blá, blá caraterístico de teses do século XXI. Mas, a sofisticação do discurso contrastava com a miséria das práticas consentidas pela Direção e Administração do Sistema. Mutatis, mutandis, o “Acompanhamento Pedagógico Formativo” nada tinha de “formativo”, e o modo como eram desenvolvidas a “Avaliação Diagnóstica de Entrada” e a “Avaliação de Aprendizagem em Processo” nada tinham de avaliação.
Era gravosa a situação, pois os instrumentos e critérios de avaliação impostos pela Diretoria e pela Administração inviabilizavam a concretização do disposto na Lei. Isto é, que a avaliação deveria ser formativa, contínua e sistemática – o recurso à prova e os procedimentos impostos às escolas eram obstáculos ao cumprimento da lei. A Resolução era uma mistura de anedota pedagógica de mau gosto e uma peça de ficção, porque não tinha ponta por onde se lhe pegasse.
Consciente dos perigos que a Fabi corria, a Bianca assim se manifestava:
“Que mulher corajosa! Como podem não permitir que uma professora queira dar um melhor ensino para seus alunos? Ela está fazendo o trabalho certo, ou o certo é o que está fora dos livros?
Imagina se as pessoas aprendessem todas iguais! Podemos todos seguir os mesmos objetivos percorrendo outros caminhos.
A Fabi me fez sentir aluna dela.”
Em 1925, uma Elise e um Celestin se haviam unido em casamento e criado um projeto, que viria a estar na origem do “Movimento da Escola Moderna”. Cem anos depois, no sul do Brasil, uma Mariana e um Bruno criaram uma equipe e fizeram a “Escola da Floresta” – trabalho de pares! E a Fabi também não estava sozinha. Um Coletivo se formava, para os cuidar.

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