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Aves, 9 de abril de 2045

Nos idos de vinte, contávamos já por centenas os projetos destruídos, sem que tivessem sido avaliados e antes de eu ter tomado novo rumo na faina de ajudar a mudar e a inovar,

Foram muitos os dias em que quase estive para desistir da vida que levava. Desgastava-me em longas viagens, desperdiçava os meus parcos recursos num afã desgastado por pequenas e grandes deslealdades. E eram bem dolorosas aquelas que vinham “de dentro” e que punham em causa a autonomia dos projetos.
Fundamentado na lei e numa ciência prudente, eu reivindicava o exercício de autonomia. Quando me sentia hesitar, recomeçava, valendo-me da inestimável solidariedade do Mestre Pedro.
Queridos netos, sempre optei por não publicar escritos que a mim se referiam. Mas, já lá vão vinte anos, creio não ser necessário mantê-los confidenciais. Aqui vos deixo escritos do Mestre, pedindo-vos desculpa por falarem de mim.
“A luta do Professor. Pacheco é para que seja viável a autonomia da inovação comprometida com a aprendizagem do estudante. Primeiro, porque a LBSE assegura; segundo, porque não existe aprendizagem sem autonomia, já que sua dinâmica central é “autoria”; terceiro, porque é função constitucional: frequenta-se escola para aprender, não para perder tempo e recursos.
Na prática, os sistemas temem o Professor Pacheco, porque percebem de imediato que a inovação proposta derruba o sistema atual. Mostra, ao fundo, a inutilidade das atuais burocracias.
Os burocratas deveriam agir de outra forma: cobrar resultados. Nunca fazem isso, porque só cobram as formalidades (…) um saco imenso de maus resultados, que não redunda em nenhuma mudança significativa.
Pacheco não quer autonomia a qualquer custo, como doação. Primeiro, é direito. Segundo, propõe-se mudar para que a escola seja “constitucional” (republicana e democrática), ficar dentro da lei.
Sua proposta tem a confiabilidade de anos de experiência e de êxito visível, também internacional. Não é aventureiro. Aventureiras são as secretarias burocráticas encardidas, onde se ocupam cargos conforme a onda dos chefes e se dão ordens sem nexo.
A “comunidade de aprendizagem” é um fenómeno construído meticulosamente, contando com todas as energias disponíveis, movendo a todos na escola e nos arredores, transparente, com apelo constante de avaliação externa irrestrita – ou seja, algo sumamente ajuizado e comprovado. Mesmo assim, como agride ao sistema de ensino, para o sistema é preferível matar a mudança em seu nascedouro. Seria insuportável uma escola autónoma!
Fizemos um Plano Nacional de Educação para 10 anos. De tão malfeito, enjambrado mal e porcamente no país, fantasiado como “movimento debaixo para cima”, já não vale mais. Ficou sarcástico a cada ano justificar por que não deu certo. É que foi feito para não dar certo! Como o próprio sistema de ensino atual.
Todos queremos 10% do PIB em educação, mas não neste sistema inútil. Não sabemos ainda valorizar o professor, que se mantém como uma marionete instrucionista na escola.
Aprender mal deve ser absoluta exceção, resíduo. Os professores comandam a escola sob este compromisso: garantir a aprendizagem dos estudantes. Professores seremos, se tivermos a mínima capacidade de argumentar e contra-argumentar. Não existe interesse em professores “eunucos”, que não o serão por liberdade de expressão, mas por manipulação desabrida.”
Pedro Demo era claro e dava resposta à pergunta:
“Porque não há mais escolascomo a Escola da Ponte?”
Rascunhei um livrinho com esse título e o amigo João o publicou e levou para Guimarães.

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No mês de abril do ano 2000, Rubem visitou uma escola, que viria a referir nas suas palestras, até ao fim da sua vida. A Escola da Ponte havia sido a primeira a consolidar a transição entre o paradigma da instrução – o do ensino centrado no professor – para o paradigma da aprendizagem.  Na esteira da Escola Nova, o aluno era o centro do ato de aprender. E o meu amigo surpreendeu-se com o elevado grau de autonomia dos alunos, comoveu-se com os prodigiosos gestos de solidariedade e manifestações de ternura, que ali presenciou.  Pela via da emoção, me trouxe para o Brasil e para ele vai a minha gratidão, nestas poucas linhas: Querido amigo, falando de tempo – essa humana invenção de que te libertaste –, reparo que já decorreram vinte e cinco anos sobre um remoto dia de abril, em que, pela primeira vez, partilhaste o cotidiano da Escola da Ponte e me convidaste a conhecer educadores do teu país.  Desde então, a minha peregrinação pelo Brasil das escolas não cessa, como não ce...