Nos idos de vinte, se a minha amiga Bianca ou o meu amigo João vissem a foto que encima esta cartinha, perguntariam:“Cadê os canhotos”?
Era esse o tipo de mesas de estudo para destros, dispostas em filas, que encontraríamos em quase todas as escolas dos quatro cantos do mundo – a hegemónica sala de aula.
Quando subia a um palco de congresso, dele sempre me apetecia descer. Colocavam-me num frontal anónimo. Para suscitar o diálogo, eu perguntava:
“O que quereis saber?”
Sempre recebi o silêncio como resposta, o silêncio expectante de um aluno em sala de aula, de professores que não perguntavam. Ao longo da sua vida haviam escutado muitas respostas a perguntas que nunca fizeram.
Centenas de anos, geração após geração, a sala de aula fora naturalizada como dispositivo central de um modelo fundado no paradigma da instrução. A sala de aula era um cemitério de talentos, um arquipélago de solidões o crematório de futuros – nela se negou a milhões de seres humanos o direito à educação.
Nos idos de vinte, eu perguntava a dadores de aula se conseguiam garantir o direito à educação, dando aula em sala de aula. A resposta era unânime:
“É claro que não. Nunca ninguém conseguiu”.
Mas, raros foram aqueles que passavam de dadores de aula a professores, através de uma decisão ética. Houve quem tomasse consciência de ser conivente com um genocídio educacional e, conseguindo encontrar alternativa ao “dar aula”, honestamente, mudaram de profissão.
Desgraçadamente, a maioria se deixou consumir pela normose de um sistema moralmente corrupto.
Aquilo que mais me surpreendia e desgostava era a atitude de doutores em educação que, enaltecendo Freire, permaneciam em sala de aula, fomentando “educação bancária”, sendo (mau) exemplo para os professores.
Académicos ociosos velavam o cadáver adiado instrucionista, enquanto insignes mestres o denunciavam. O maior desses mestres se chamava Pedro Demo. Homem sábio, autor de farta e excelente produção científica. Pedro afirmava que, na escola da aula, a aprendizagem quase não existia, que quase nada dali levávamos para a vida.
Pedro Demo era possuidor de uma coragem que faltava a quem se deixava afetar pela corrupção moral. Denunciava um fato sistematicamente escamoteado: a série histórica do Ideb escancarava, desde 1995, “um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspectiva de mudança”.
À distância de vinte anos, a análise do amigo Pedro permanece atual, constitui-se em referência para quem ainda não se tenha emancipado do ranço da velha escola.
O instrucionismo era “a postura padrão globalizada, acolhida oficialmente no PISA: um sistema tipicamente de “ensino”, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada, conteudista” – estou a citar o Mestre Pedro. Espero que ele me perdoe a ousadia, pois teve a generosidade de me enviar alguns textos solidários:
“Tendo escutado você mais de perto, nesses dias, também suas angústias, ocorreu-me fazer alguns textos. Tentam entender algumas ideias que mais chamam a atenção, mesmo assustam, mas são cruciais para a "comunidade de aprendizagem". Admiro, entre outras coisas, sua coerência. E espero que os textos sejam úteis.”
Esses textos foram muito úteis, não só pelo que de heurístico possuíam, mas sobretudo pela coragem intelectual que traduziam. Falavam de “Escola Pública”. Não aquela que usurpava esse nome, mas aquela que, a partir das contribuições de eminentes mestres e da dedicação de professores éticos, despontou no abril de vinte e cinco.
Colocarei na cartinha de amanhã mais algumas palavras do Mestre Pedro.
Era esse o tipo de mesas de estudo para destros, dispostas em filas, que encontraríamos em quase todas as escolas dos quatro cantos do mundo – a hegemónica sala de aula.
Quando subia a um palco de congresso, dele sempre me apetecia descer. Colocavam-me num frontal anónimo. Para suscitar o diálogo, eu perguntava:
“O que quereis saber?”
Sempre recebi o silêncio como resposta, o silêncio expectante de um aluno em sala de aula, de professores que não perguntavam. Ao longo da sua vida haviam escutado muitas respostas a perguntas que nunca fizeram.
Centenas de anos, geração após geração, a sala de aula fora naturalizada como dispositivo central de um modelo fundado no paradigma da instrução. A sala de aula era um cemitério de talentos, um arquipélago de solidões o crematório de futuros – nela se negou a milhões de seres humanos o direito à educação.
Nos idos de vinte, eu perguntava a dadores de aula se conseguiam garantir o direito à educação, dando aula em sala de aula. A resposta era unânime:
“É claro que não. Nunca ninguém conseguiu”.
Mas, raros foram aqueles que passavam de dadores de aula a professores, através de uma decisão ética. Houve quem tomasse consciência de ser conivente com um genocídio educacional e, conseguindo encontrar alternativa ao “dar aula”, honestamente, mudaram de profissão.
Desgraçadamente, a maioria se deixou consumir pela normose de um sistema moralmente corrupto.
Aquilo que mais me surpreendia e desgostava era a atitude de doutores em educação que, enaltecendo Freire, permaneciam em sala de aula, fomentando “educação bancária”, sendo (mau) exemplo para os professores.
Académicos ociosos velavam o cadáver adiado instrucionista, enquanto insignes mestres o denunciavam. O maior desses mestres se chamava Pedro Demo. Homem sábio, autor de farta e excelente produção científica. Pedro afirmava que, na escola da aula, a aprendizagem quase não existia, que quase nada dali levávamos para a vida.
Pedro Demo era possuidor de uma coragem que faltava a quem se deixava afetar pela corrupção moral. Denunciava um fato sistematicamente escamoteado: a série histórica do Ideb escancarava, desde 1995, “um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspectiva de mudança”.
À distância de vinte anos, a análise do amigo Pedro permanece atual, constitui-se em referência para quem ainda não se tenha emancipado do ranço da velha escola.
O instrucionismo era “a postura padrão globalizada, acolhida oficialmente no PISA: um sistema tipicamente de “ensino”, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada, conteudista” – estou a citar o Mestre Pedro. Espero que ele me perdoe a ousadia, pois teve a generosidade de me enviar alguns textos solidários:
“Tendo escutado você mais de perto, nesses dias, também suas angústias, ocorreu-me fazer alguns textos. Tentam entender algumas ideias que mais chamam a atenção, mesmo assustam, mas são cruciais para a "comunidade de aprendizagem". Admiro, entre outras coisas, sua coerência. E espero que os textos sejam úteis.”
Esses textos foram muito úteis, não só pelo que de heurístico possuíam, mas sobretudo pela coragem intelectual que traduziam. Falavam de “Escola Pública”. Não aquela que usurpava esse nome, mas aquela que, a partir das contribuições de eminentes mestres e da dedicação de professores éticos, despontou no abril de vinte e cinco.
Colocarei na cartinha de amanhã mais algumas palavras do Mestre Pedro.
