Continuemos lendo aquilo que, nos idos de vinte, Pedro Demo – talvez o mais respeitável sociólogo da educação desse tempo – nos dizia:“É lamentável que não se perceba que a escola pública dos pobres, aquela que atende a 99% dos alunos públicos, se encontre em situação de tendencial inutilidade para a grande maioria dos estudantes.
Para alguns, o fato de ser “pública” é um amuleto suficiente (...) emancipatório, ainda mais constando no PPP como a última maravilha dos tempos, sem qualquer base avaliativa científica, acrescendo-se a esta hipocrisia a insinuação de que não se pode questionar, para não desconfortar.
Embora seja o caso defender a escola pública como patrimônio democrático e republicano, uma coisa é defender escondendo a cara na areia, outra é defender com devida postura crítica autocrítica.”
Raras eram as vozes das ciências da educação questionando o conceito e a prática de “Escola Pública”. Muito menos eram aqueles que questionavam a existência de um fóssil chamado “sala de aula”.
No início da década de setenta, nos desembaraçamos desse espaço e tempo de perder tempo. Mas, meio século depois, nos palcos dos congressos educacionais, escutávamos ilustres palestrantes falando de inovação em… sala de aula.
A “inovação” de que falavam era uma caterva de paliativos instrucionistas. A sala de aula era a mesma de há duzentos anos, enfeitada de “novas tecnologias”. E a sua manutenção era mais um fruto da corrupção moral e intelectual, que cateterizava um obsoleto sistema de ensinagem.
Quem via uma sala de aula, via todas. Era algo hegemónico, reproduzido da China ao Brasil, de Camberra a Paris, da Guiné à Ucrânia, de Israel à Faixa de Gaza. Quando fui para a Escola, a encontrei prussiana. Quando fui dar aula, ela continuava tão enfileirada quanto antes. Quando fui aluno da faculdade, permanecia entre quatro paredes. Quando fui fazer mestrado, assisti a práticas de reprodução escolar e de “abandono intelectual”. Deverei acrescentar que se tratava de uma faculdade de… educação.
Nesta e em próximas cartinhas, continuarei a “parasitar” os artigos que o meu Mestre me doou, dando-vos notícia dos primeiros tempos de mudança e inovação.
Prosseguindo na senda de uma demolidora crítica da ensinagem em sala de aula, o Mestre Pedro escreveu sobre o trabalho em sala de aula:
“Os dados são, pois, cruéis com as aulas. Sendo aula o que mais existe e mesmo define a escola, e sendo os resultados um desastre avassalador, sua inutilidade é fragrante.
Poucas coisas são mais inúteis do que aula: roubam o tempo do estudante, desmotivam-no ostensivamente, refletem autoritarismo grotesco, deturpam o sentido da aprendizagem e do conhecimento, e representam a vanglória mais tola do professor.
Aula é o que mantém a escola presa ao passado fordista ou similar, como consta dos “Tempos Modernos” de Chaplin, repetitiva, monótona, linear, sequencial, insuportável, desumana. Não tem como objetivo cuidar da aprendizagem do estudante, mas de transmitir conteúdo que frequentemente o estudante sequer entende, como é o caso notório de matemática. É o signo também do professor ensimesmado, que mantém o sistema de ensino centrado em si mesmo, em torno de sua aula, prova e repasse, além de praticar um cognitivismo tosco, reducionista ao extremo.
Quem, porém, toma como compromisso fundamental da escola cuidar que o estudante aprenda, de maneira integral e comunitária, jamais coloca aula no centro.”
O Mestre ainda admitia que talvez se pudesse aproveitá-la como suporte “eventual e supletivo”.
Apenas isso. E talvez!
