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Moreira de Cónegos, 11 de abril de 2045

Fora de Portugal, há mais de 20 anos, ao meu país voltei, amiúde, a convite de educadores, pais de alunos, autarcas empresários, diretores. Por toda a parte, unia, reunia, propunha diálogo a professores renitentes ou desistentes.  Só não conseguia demover dadores de aula do seu absurdo labor.

Em terras do Atlântico Sul, o Mestre Pedro não desistia da denúncia das “cortinas de fumaça, para encobrir uma política educacional incrivelmente perversa”:
“Aprendizagem quase não existe, não levamos quase nada para a vida da escola e a série histórica do Ideb, desde 1995, escancara um sistema inepto, para não dizer inútil, sem perspetiva de mudança. A miséria educacional atravessa os governos, independentemente da ideologia, porque o instrucionismo é a postura padrão, hoje globalizada, também acolhida oficialmente no PISA: o sistema é tipicamente de “ensino”, instrução, baseada na aula copiada para ser copiada.”
Certamente, estareis recordados de vos ter dito que, quando eu era apenas um “dador de aula”, me sentir incomodado com certas atitudes dos meus alunos e de não encontrar resposta para o fato de eu dar boas aulas e haver alunos que não aprendiam.
Pois a crise moral que me acometeu foi sanada, quando consegui compreender que o “dador de aula” tenta transmitir e… não comunica.
Os forma(ta)dores desse tempo me tinham dito que deveria fazer um planejamento anual, distribuindo matérias, temas, conteúdos por trimestre. Depois, fazer planos trimestrais, quinzenais e semanais. Mais tarde, alguém teve a infeliz ideia de dividir o ano letivo em semestres. Enfim!
Assistindo a esses e outros disparates, comecei a duvidar da eficácia, a desconfiar da eficiência desses e de outros procedimentos e rotinas, tendo decidido planejar a aula de véspera, o mais próximo possível de dar a aula.
Nada adiantou. A crise se agudizou, até que achei a origem do meu mal-estar. Quando eu ia dar a aula, não era eu quem estava na sala de aula. Eu não estava ali. Ali, não havia autenticidade. Eu era um clown sujeito a um guião escrito na véspera. Comportava-me como um mau ator, representando um estranho papel. Havia naquele frontal anónimo um vazio constitutivo impeditivo de comunicação.
Cedo entendi que o tipo de relação determinava ou impedia a criação de vínculos e vivências cidadãs.
Sem fazer do aluno cobaia de laboratório, introduzi a prática de currículo de subjetividade. Décadas mais tarde, seria chamado “projeto de vida”, a primeira das dimensões do que viria a constituir o currículo tridimensional.
Na década de vinte, era preciso reagir perante a insanidade das práticas – por que não questionar a aula em sala de aula? Seria algum tabu?
Boff dizia que a crise que nos afetava não era uma mera crise cíclica e que uma nova ordem mundial se mostrava necessária, um novo modo de habitar a Terra.
Para “um novo habitar a Terra”, preciso seria uma nova Educação. E ela surgiu. No Portugal da Primavera de vinte e cinco, ajudei educadores a analisar os projetos das suas escolas, a inventariar valores, elaborar cartas de princípios. Acompanhei a implantação de equipes de projeto e a composição de protótipos de comunidade.
Nunca desisti de porfiar no apelo a uma decisão ética. Nunca desisti de um incansável peregrinar, à procura de professores vivos. Os projetos que eu acompanhava tinham ido muito além do “deixar de dar aula em sala de aula”. Eram esboços de uma nova construção social de aprendizagem e de educação. Sementes eram lançadas. Houvesse ou não houvesse frutos, partíamos e éramos, como dissera Sebastião da Gama.

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No mês de abril do ano 2000, Rubem visitou uma escola, que viria a referir nas suas palestras, até ao fim da sua vida. A Escola da Ponte havia sido a primeira a consolidar a transição entre o paradigma da instrução – o do ensino centrado no professor – para o paradigma da aprendizagem.  Na esteira da Escola Nova, o aluno era o centro do ato de aprender. E o meu amigo surpreendeu-se com o elevado grau de autonomia dos alunos, comoveu-se com os prodigiosos gestos de solidariedade e manifestações de ternura, que ali presenciou.  Pela via da emoção, me trouxe para o Brasil e para ele vai a minha gratidão, nestas poucas linhas: Querido amigo, falando de tempo – essa humana invenção de que te libertaste –, reparo que já decorreram vinte e cinco anos sobre um remoto dia de abril, em que, pela primeira vez, partilhaste o cotidiano da Escola da Ponte e me convidaste a conhecer educadores do teu país.  Desde então, a minha peregrinação pelo Brasil das escolas não cessa, como não ce...