Peço ao amigo Adélio que me permita usar poéticas, inspiradas palavras suas, para traduzir o sentir que ele disse sentir no lançamento do seu segundo livro de crónicas:
“No lançamento do Entre Margens 2 disse do coração que família e amigos estão todos aqui, nesta sala, cravada no coração desta minha terra Entre Margens, nesta terra… que é uma parte grande do que sou.
E, por isso, quer acreditem, quer não, mesmo quando demando outras paragens, mais ou menos longínquas, nunca deixo de ver a vida e o mundo por entre os seus muitos canudos, nunca deixo de me sentir abraçado pelos seus rios, nem nunca deixo de me sentir embalado pelo sussurro das suas águas correntes.
Por isso, posso e quero gritar ao mundo e ao vento, que consegui arrecadar nesta sala, todas as joias por que tenho labutado toda a vida."
Foi isso que senti, quando, na sede da nossa autarquia, fui recebido por amigos de longa data, “joias por que labutei toda a vida”.
Estávamos em maio. De passagem pela minha terra, uma súbita maleita me assaltou. O João a Lurdes o apoio de um monte de bons amigos bons cuidados hospitalares e uma caterva de medicamentos me salvaram. Regressado ao Sul, deixei com o meu amigo Américo material suficiente para publicação no jornal Entre Margens meia dúzia de publicações, entre julho e setembro, pedaços da história de um projeto que, conhecido e reconhecido pelo mundo da educação, havia passado cinquenta anos envolto numa cortina de silêncio. E, no setembro de 2025, voltei à minha terra, para lançar uns livrinhos, que complementariam as estórias que vos irei contar.
Ao jeito de preâmbulo às estórias de uma longa história, vos exponho uma resenha dos fatos.
Em 1996, a Ponte fora considerada a escola mais inovadora do país, passando de vinte anos do anonimato a “objeto de curiosidade”. Foi locus de muita pesquisa e de produção de teses. Depois, passou a “objeto de turismo educacional” e de inveja, só por ter mostrado ser possível aquilo que, mais tarde, viria a ser chamado de “educação integral em tempo integral”.
Tendo sido a primeira a concretizar a transição do instrucionismo para uma prática em que o aluno passava a ser sujeito de aprendizagem, assegurou a construção de projetos de vida. A relação entre tutor e aprendiz permitia ir além do domínio cognitivo, sendo plenamente contemplada a multidimensionalidade do ser humano – a afetividade, o emocional, o social, o físico-motor, a estética, a ética, a espiritualidade.
A Ponte passou a ser um incómodo para académicos teoricistas e para professores de escolas próximas. Foi caluniada, maltratada, sofreu a erosão de burocratizações várias, mas resistiu.
Achei por bem “desenterrar” um velho documento que, no tempo em que foi escrito, sofreu tentativas de ostracismo e ocultação por parte de políticos manhosos e professores de baixo coturno moral. Refiro-me ao “Relatório apresentado a S. Ex.ª a Secretária de Estado da Educação pela Comissão de Avaliação Externa do Projeto Fazer a Ponte” (sic). Vos darei a conhecer alguns excertos desse documento – se alguém desejar lê-lo integralmente, poderá consultar um livrinho que publiquei em 2025 com o título “Escola da Ponte – Talvez um Estudo de Caso (consta dessa obra como anexo).
No capítulo das Recomendações”, quando a Comissão de Avaliação Externa refere:
“A inadequação e insuficiência das instalações, principalmente a ausência de um ginásio e de laboratórios para permitir um ensino experimental, em função da especificidade do Projeto (…) máxima conveniência na celebração de um contrato de autonomia”.
(continua)
