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Aves, 26 de junho de 2045

Num auspicioso final do fevereiro de há vinte anos, no meio do cortejo de horrores em que a comunicação social se tinha transformado, eis que surge uma boa notícia: o nosso conterrâneo Luís Henrique Fernandes era oficializado Novo Diretor Geral da DGAE (Direcção-Geral da Educação).

Acompanhei o seu percurso profissional, prenúncio de um desfecho anunciado: após passar pela direção de um agrupamento de escolas e de um centro de formação de professores, o Henrique alcançava o topo de uma carreira da administração pública. Eu o vira crescer rodeado de bons exemplos, amparado na amorosidade da Fininha e na inquebrantável moral do amigo Fernandes, pelo que não me surpreendeu que chegasse onde chegou. 

Reacendeu-se a esperança de reatar o diálogo com o ministério. Talvez tivesse chegado o tempo de repor a verdade dos fatos, de criar o “Grupo de Trabalho “, que o ministério havia reconhecido como necessário e de preparar a celebração dos cinquenta anos do projeto “Fazer a Ponte”.

Liberto de cuidados hospitalares, fui cuidar de projetos, começando pelo da Ponte e por contar estórias. Com o amigo Américo deixei material suficiente para meia dúzia de publicações no jornal Entre Margens, entre julho e setembro de 2025. Eram pedaços da história de um projeto que, conhecido e reconhecido pelo mundo da educação, havia passado cinquenta anos envolto numa cortina de silêncio. E, no setembro de 2025, voltei à minha terra, para lançar uns livrinhos, que complementariam as estórias que vos irei contar, a partir de agora.

Antes de apontar os obstáculos que tivemos de enfrentar, descreverei fases porque o projeto atravessou. A história da Ponte foi feita de coragem, sofrimento e resiliência. Houve momentos de fatais hesitações. Deixo-vos com uma memória de décadas (não sei se útil), o esboço de uma “linha do tempo” de um projeto.

A origem remota do projeto Fazer a Ponte data de 1968, ano da criação da primeira “Pré-Ponte”, na “Ilha dos Tigres”. A matriarca Judite expulsava da Associação Recreativa da Vitória os bêbados, os batoteiros e “jagunços”, para que as mesas do jogo do xadrez fossem montadas, ou se desse início a tertúlias. Ali se aprendeu a ler, a fazer a “preparação para o exame de admissão a cursos técnicos e de acesso à universidade”, solidariamente, em comunidade. 

Em 1970, nascia o “Octógono”. Jovens idealistas (eu era um dos oito) e que não gostavam de ditaduras, clandestinamente, divulgavam leituras escolanovistas, enquanto conspiravam para a queda do Salazar. A Escola do Magistério do Porto nunca mais seria como dantes. Os “corredores das mulheres” foram ocupados pelos homens e vice-versa. Houve grave aos exames de Didática. A professora de História da Educação foi além do Platão. O Freinet invadiu as aulas do Professor Meireles. 

Em 1972, entre a Guiné, Cabo Verde e a Escola da Torrinha, uma turma só de rapazes e um professor disruptivo deram lugar a uma segunda “Pré-Ponte”. O professor era tão disruptivo que acabou denunciado (era “um perigoso opositor do regime”) e atirado para uma guerra colonial, transformado num (estrábico) atirador de infantaria – foi a primeira das tentativas de eliminação física de um incómodo disruptivo.

A terceira “Pré-Ponte” nasceu em 1974. E uma escola à medida da Revolução dos Cravos, que quase me custou a vida – disse o Padre Abreu que eu “escapei por milagre” à segunda tentativa de eliminação física.

Até que, em 1976, o “Fazer a Ponte” tomou forma concreta – A formação experiencial colhida em muitas tentativas frustradas, me fizera abandonar a solidão da sala de aula.

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