Pular para o conteúdo principal

Aves, 28 de junho de 2045

Continuo contando um pouco de uma história oculta.

4 de setembro de 2003 – A escola e a Associação de Pais denunciam, em comunicado, que “em vez de premiar a qualidade, o Ministério da Educação asfixia-a”. Terminam manifestando a sua incredulidade: 

“Não acreditamos que o senhor Ministro da Educação queira ficar na história como aquele que, ao fim de 27 anos, extinguiu este projeto”.

8 de setembro de 2003 – Em comunicado, os pais da Escola da Ponte constatam: “A arrogância e a falta de sensibilidade que continuam a ser evidenciadas pelo Senhor Ministro da Educação e os seus mais próximos colaboradores”, o que os leva a pensar que “o que o Ministério pretende é mesmo acabar com este projeto”. Informam: 

“A partir do dia 15, ocuparemos pacificamente as instalações da Escola e não sairemos daqui até que o governo resolva os problemas que criou”.

Desde o início do projeto, os pais dos alunos foram o mais sólido apoio e amparo do projeto. Quando os pais inferiram que os seus filhos eram bem cuidados e mais e melhores aprendizagens faziam, defendiam os seus professores como a leoa defende os seus filhos. E os professores devolviam-lhes o saber cuidar com lealdade ao projeto.

No dia 9 de setembro de 2003, os educadores e professores da escola em regime de destacamento tomam uma posição pública de denúncia dos prejuízos da política “irresponsável e inconsequente do Ministério”. Reafirmam a vontade de reintegrar a equipa docente da escola “logo que o Ministério se comprometa a assegurar as condições que possibilitem o normal prosseguimento e desenvolvimento do Projeto Fazer a Ponte, de acordo com as exigências oportunamente formuladas pelos pais dos alunos, com as quais serão sempre solidários”.

No dia 15 de setembro de 2003, dia da abertura oficial do ano letivo, a Escola da Ponte, como noticiou o Jornal de Notícias, “abre apenas aos protestos”. E, conforme tinham anunciado, os pais ocuparam a escola “por tempo indeterminado”. 

16 de setembro de 2003 – Segundo o jornal O Público, cerca de trinta personalidades públicas, na sua maioria ligadas à educação, divulgam documento em que se solidarizam com a comunidade educativa da Escola da Ponte, nomeadamente, com os professores que “teimam em ser autónomos, criativos e donos da sua profissão”. E acusam o Ministério de “fazer o contrário do que diz”.

Por efeito das atitudes autoritárias (e cobardes), do ministério, no início daquele ano letivo, a escola somente dispunha de cinco professores. Conscientes da impossibilidade de tão poucos professores manterem o projeto no nível de qualidade que havia alcançado, os alunos mais velhos (os do 7º ano, impedidos de se matricularem na Escola da Ponte) se ofereceram como “monitores”, para “orientar e apoiar os mais pequenos”. É evidente que a atitude altruísta dos alunos mais velhos não surgiu do acaso – os professores não ensinam o que dizem, transmitem aquilo que são.

No dia 17 de setembro de 2003, o jornal O Público noticiava que, por decisão dos pais, acatada pela Direção da escola e pelos cinco docentes do quadro, a escola ia reabrir.

A resiliência de pais, professores e alunos da Ponte contagiaram uma opinião pública sensível a situações de injustiça e, sobretudo os mais respeitados insignes educadores do campo das ciências da educação. No 25 de setembro de 2003, realizou-se, na cidade do Porto uma sessão pública de apoio à Escola da Ponte. Universidades, sindicatos, gente amiga se juntou para mostrar ao ministério que a Escola da Ponte não estava sozinha. Foi deveras emocionante aquele exercício de solidariedade ativa.

Postagens mais visitadas deste blog

Barcelos, 13 de setembro de 2025

No mês de abril do ano 2000, Rubem visitou uma escola, que viria a referir nas suas palestras, até ao fim da sua vida. A Escola da Ponte havia sido a primeira a consolidar a transição entre o paradigma da instrução – o do ensino centrado no professor – para o paradigma da aprendizagem.  Na esteira da Escola Nova, o aluno era o centro do ato de aprender. E o meu amigo surpreendeu-se com o elevado grau de autonomia dos alunos, comoveu-se com os prodigiosos gestos de solidariedade e manifestações de ternura, que ali presenciou.  Pela via da emoção, me trouxe para o Brasil e para ele vai a minha gratidão, nestas poucas linhas: Querido amigo, falando de tempo – essa humana invenção de que te libertaste –, reparo que já decorreram vinte e cinco anos sobre um remoto dia de abril, em que, pela primeira vez, partilhaste o cotidiano da Escola da Ponte e me convidaste a conhecer educadores do teu país.  Desde então, a minha peregrinação pelo Brasil das escolas não cessa, como não ce...