Num ano que nunca existiu, a Microsoft apelava para que os países democráticos reagissem aos “ciberataques de agentes malignos", porque empresas que desenvolviam vacinas tinham sido alvos de ataques cibernéticos.
Na Europa de um ano que nunca existiu, era
decretado o recolher obrigatório, nos fins
de semana. Na China, drones registravam efeitos de mudanças climáticas: geleiras
derretiam a uma
velocidade nunca vista.
A
Humanidade já habitava um tempo de sociedade em rede, mas permanecia cativa de
raciocínios lineares. Até à Terceira Revolução Industrial, dispúnhamos de
sequências lógicas. Depois, o simultâneo, a sobreposição. Na era da pós-verdade,
as redes sociais operavam um sutil processo de desumanização. Pejadas de
comentários abjetos, acentuavam uma evidente degradação moral e ética. Dispúnhamos
de inúmeros instrumentos de comunicação e nunca tão solitários nos sentíamos.
No
Brasil, em apenas dez anos, o suicídio infantil e juvenil aumentara 40%. O
suicídio já era a segunda razão de morte de jovens. A automutilação era o segundo
maior termo de busca dos jovens, na Internet. Os adultos encharcavam-se de
medicamentos, as crianças se enchiam de Ritalina.
O
meu amigo Rui Canário dizia que, quando assistíamos à degradação do ambiente
natural e das relações humanas, raramente nos apercebíamos de que tais
fenômenos eram consequências de uma determinada visão de mundo e da escolarização
da sociedade. Mudanças operadas no tecido social refletiam uma profunda inversão
de valores, a perversão das práticas sociais. Há muto tempo já, se reconhecia a
necessidade de conceber uma nova escola para um novo mundo,
Nos
idos de vinte e cinco e desde a década de setenta, nenhuma inovação surgira no
domínio das ciências da educação. Em pseudo-inovações, hipotecávamos destinos. Entre
os “cursinhos” e a propaganda enganosa de híbridos sistemas de ensino, pessoas eram
transformadas em bonsais humanos. E, no final de palestras proferidas por doutores
ignorantes de prática, se comentava:
“É
tudo teoria. Vê-se bem que o palestrante nunca deve ter posto os pés no chão de
uma escola”.
Aprendizes
de feiticeiro – gurus do digital, empresários e outros debutantes da educação –
se apropriaram da palavra “inovação” e a deturparam. Adulterado o conceito,
converteram-no em slogan para fins mercantis, curandeirismo, espécie de magia
branca, capaz de impressionar as massas, nas palavras do Lauro, que profetizou
um tempo em que abundavam as caricaturas de inovação.
Acrescentava
o insigne Mestre que a escola se formalizara através dos tempos,
artificializando-se, até chegar a ser “um mostrengo repulsivo para a juventude,
caixotes de alvenaria em que crianças eram encerradas como sardinha em lata”.
A
Diretoria de Assistência a Programas Especiais do MEC reconhecia que mudar o
paradigma de funcionamento das escolas passaria a ser a nova agenda dos sistemas
educacionais:
“Mudanças
estão longe de serem obtidas no curto prazo, mas é inegável que um conjunto de
medidas pode e deve ser tomado para se reverter o quadro de ineficiência e de
baixa qualidade do ensino”.
Em
outras palavras e como referia o documento-base da “Terceira Conferência
Internacional sobre Educação Futura – Perspectivas Latino-Americanas:
“Apresenta-se
com caráter de urgência a necessidade de desenvolver práticas coerentes com um
novo paradigma educacional”.
Nos
idos de vinte, se repetia um jargão centenário: em sede de “altos estudos e nos
palcos dos congressos, ilustres palestrantes diziam que era preciso… inovar.
