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Resende, 12 de junho de 2045

 

Volto às preciosas falas do meu amigo José:

“Retomando o busílis central da questão (…) as arquiteturas, espaços, horários, cronogramas de aulas e agrupamentos de estudantes nas escolas devem ser reimaginados e elaborados para desenvolver as capacidades dos indivíduos para trabalharem juntos.

O ambiente construído e o design inclusivo (inclusive design) têm valor pedagógico por si mesmos e influenciam o que ocorre em espaços compartilhados de aprendizagem. As culturas de colaboração também devem orientar a administração e gestão das escolas, bem como as relações entre as escolas, para fomentar redes robustas de aprendizagem, reflexão e inovação.”

Falemos de tempo. Eu me lembrava de ter escutado algo semelhante ao que o José escreveu, mas …50 anos antes de ter escrito esse naco de prosa. Uma escolinha que o José bem conhecia tinha diversificado espaços, tornado possível o trabalho em equipe, modificara a arquitetura numa “escola de área aberta”, instituíra uma “cultura de colaboração” e muito mais… 50 anos antes. 

Por que se colocara uma cortina de silencio em torno desse projeto?

50 anos antes, eu ia escutar palestras, frequentava cursos, pagava formação, para aprender a efetuar mudanças na minha prática. Mas, aquilo que eu observava era que os palestrantes e formadores discorriam sobre “designs inclusivos” (expressão usada pelo José), sobre flexibilização curricular (incluindo a do tempo) e recomendavam que o processo de aprendizagem estivesse centrado no aluno. 

Fui ver como trabalhavam esses universitários: vi-os dentro de salas de aula de “design excludente” (esta expressão me ocorreu, como contraponto daquela que o José mencionou), dando aula entre toques de campainha enferma de um tempo-padrão, vi que praticavam ensinagem centrada no professor.

Há 70 anos, deixei de perder tempo e de gastar dinheiro com preleções de e (de)formações. Há 20 anos, recorrendo à sofisticação do discurso, palestrantes ilustres e bem pagos repetiam a ladainha escolanovista – como se a Ponte não existisse! “Especialistas” de palco exploravam expectativas de novas gerações de professores, proferindo palestras semelhantes às de … 50 anos atrás. Deformadores de professores insistiam no incitamento “empreendedorismo”, à ao protagonismo, à autonomia do aluno – como se a Ponte não existisse.

Desde há 50 anos, centenas de congressos e milhares de ações de formação e palestras foram realizadas. Contratos milionários foram feitos com empresas, assessores, consultores, “especialistas”… 

Cadê o impacto social dessas realizações? O que mudou?

desde há 50 anos, quase nada mudou, u mudou para pior. Não será tempo de pedir contas a quem exauriu o erário público a troco de nada?

“Retomando o busílis central da questão”, questiono: Qual seria a questão? Por que se gastava tanto tempo e se desperdiçava tantos recursos, continuando a falar do mesmo e fazer o mesmo… desde há mais de 50 anos? 

Naquele tempo, se discutia qual o tempo de duração de uma aula e qual a quantidade aconselhável de alunos por turma – lembras-te, José? – e outros despiciendos assuntos. “Especialistas” discutiam o sexo dos anjos da educação, os ministérios decretavam “reformas curriculares” e as escolas as reformavam.

E, agora, José? 

No ano da graça de 2045, velhos e acabados, o que faremos? Choraremos sobre leite derramado? Reconheceremos erros e omissões?

Dirás que o tempo não existe, que é invenção humana. Mas, foram seres humanos amorosos que, naquele tempo, em amorosos gestos, inauguraram Um novo tempo, um tempo de mudança.

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