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Araçatiba 22 de julho de 2045

“Oi! Tudo bem? Ontem, na sala de aula, pedi aos alunos que respondessem a perguntas, nuns papéis que lhes entreguei. Dentre elas, o que queriam aprender. 

Alguns disseram nada, outros disseram matérias como história, matemática, português, cópia, ditado, porcentagem, fração... 

Gostaria de uma ajuda sobre como proceder. Muito obrigada”.

Ajudei como pude ajudar essa professora surpreendida com as reações dos seus alunos, quando começou a fazer perguntas que, desde sempre, deveriam ser feitas. Tomou consciência de que os seus alunos “Nota 10” estavam doentes de conformismo, de normose, estavam escolarmente domesticados. 

Se lhes perguntasse o que gostaria de saber, ou fazer (dois dos pilares da educação estabelecidos pela UNESCO) responderiam:

“Eu posso dizer o que quero saber e o que quero fazer?”

Já não faziam perguntas, nem sabiam o que responder. A curiosidade infantil se esvaíra. Já tinham escutado milhares de respostas a perguntas que nunca tinham feito. E, se lhes fosse perguntado o que queriam ser, a resposta mais provável seria:

“Não sei!”

Tinham sido proibidos de perguntar. Já tinham perdido o hábito de interrogar a vida. Nem “O que eu sou? De onde vim?” restava. 

A professora manifestou surpresa, quando lhe disse que, também pela “avaliação” que praticavam, as escolas estavam fora da lei. Nos idos de vinte, a lei estabelecia que a avaliação fosse formativa, contínua e sistemática. A prova (o teste, o exame) raramente era formativa, era periódica e incidia numa parcela de matéria de uma qualquer disciplina. Contrariava o disposto na lei. e quase nada avaliava. Acresce que havia confusão entre dois conceitos e práticas: avaliação e classificação. Se não, vejamos... 

O Manelinho obteve um vinte (nota máxima!) no exame de Educação Ambiental. Os orgulhosos pais presentearam-no com uma nova consola de jogos. O jovem recolheu ao quarto, desfez o embrulho e aprontou os polegares. O invólucro de plástico, a caixa e demais desperdícios sem serventia atirou-os o Manelinho janela fora, que nisso ele saía ao pai, exímio no arremesso de caroços de fruta e pontas de cigarro pela janela do carro. Quem sai aos seus… 

A Tininha, colega de turma do Manelinho, aluna menos voltada para a decoreba, tinha arrancado um tangencial 9,5 no mesmo exame. 

A Tininha foi visitar o colega. Antes de tocar à campainha, recolheu o lixo espalhado no passeio mesmo por baixo da janela do quarto do Manelinho. E o colocou no contentor, mesmo ali ao lado. 

Enquanto refletimos sobre o visível paradoxo, passemos os olhos por uma carta que recebi de um professor da escola do Manelinho e da Tininha: 

“Agora, que o fim do ano está aí, é que começam as polémicas. Se calhar, porque na estratégia de mudar devagarinho, chegamos a um ponto difícil de engolir para muita gente. A tal gente que, como bem referes, pensa que só há uma maneira de ensinar e que tudo passa por exames finais. 

Nos períodos anteriores, até fui fazendo as ditas fichas, aquelas que eram recomendadas na formação que fizemos com o Domingos. Decidi que no 3º período não as haveria. Muito menos "provas finais". Mas, alguém me disse que era obrigatório fazer provas, para ficarem arquivadas no processo. 

O mundo está doido. Imagina que os alunos das outras turmas estiveram 15 minutos a copiar do quadro a matéria (certamente inorgânica) que vai sair nas ditas provas finais, as tais que vão decidir quem passa e quem não passa. 

Enfim, meu amigo! Temo que a escola seja a mesma por muito tempo. Uma triste mesmice. 

Um abraço de um professor desiludido, mas cheio de vontade de continuar”.

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