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Cajueiro, 26 de julho de 2045

No processo de elaboração de uma base curricular, sempre houve disciplinas consideradas “nobres” – o “back to basic”. Mas, por que razão se dava a designação de “Arte” a uma disciplina? Não se deveria considerar as Artes Visuais, ou a Educação Musical, no lugar da disciplina “Artes”? E alguém ouvira falar de currículo subjetivo, de uma tripla dimensão curricular? 

A formação de professores pressuposta no “Guia de Implementação da BNCC” reforçava os vícios da formação inicial, convidava a que, em sala de aula, os professores continuassem a consumir um currículo “pronto a vestir”. 

Desenvolvimento curricular deveria constituir produção de conhecimento, não consumo acéfalo de informação proveniente do discurso de um professor ou de um manual didático. Urgia substituir um currículo pronto-a-vestir por um currículo tridimensional – subjetivo, comunitário e universal. 

Currículo não é mero repositório de competências, é um conjunto de experiências, vivências, que convergem para objetivos educacionais. Se o currículo é a totalidade das experiências de aprendizagem, conviria saber que tipo de experiências seriam proporcionadas e em que tipo de escola. Qual o modelo epistemológico, que subjazia à proposta de uma base curricular? 

Eis a resposta: “aula” era a palavra mais frequente no texto da base (75 vezes), no pressuposto de que a BNCC se concretizasse com referência ao paradigma da instrução. 

Perguntei a muitos “especialistas”:

“Quais os critérios de natureza científica, que legitimam a determinação de, no ano de escolaridade “x”, os estudantes devam reconhecer, identificar, usar o conteúdo “y”, ainda que disfarçado de objetivo de aprendizagem “z”? E por que todos devem aprender ao mesmo tempo?”

Esperei sentado por uma resposta, que nunca chegou.

O amigo Rubem perguntava para que servia aprender o que eram mesóclises e piroclásticas. E não conhecia alguém que tivesse precisado utilizar raíz quadrada. Se dela precisasse, a Internet me diria o que fazer. Apenas precisaria de aprender a pesquisar, a aprender. E isso a escola não ensinava.

Por detrás da base curricular da ditadura de Salazar, como da BNCC, havia pressupostos ideológicos, preconceitos, pedagogia fóssil e um modelo de escola, que, em pleno século XXI, continuava a fazer estragos – por ter herdado princípios da revolução industrial, ela naturalizara o insucesso.

Nas audiências públicas em torno da BNCC, formulei perguntas jamais respondidas, 

“Qual a matriz axiológica determinante dos conteúdos, ou de qualquer que fosse a designação que, eufemisticamente, lhes quisessem dar: “objetivos de aprendizagem”, “expectativas de aprendizagem“, “direitos de aprendizagem”…? 

Porquê “utilizar termos anafóricos variados para estabelecer a coesão em textos narrativos”, no “5º ano”? por que não no quarto ou no sexto?

Por que reconhecer os principais produtos utilizados pelos europeus, procedentes da África do Sul, do Golfo da Guiné e da Senegâmbia, no “8º ano”?

Porquê no “8º ano”? Porquê “ano de escolaridade”, se o sistema estava organizado por ciclos?

“Mesóclises, piroclásticas, eugenol fariam sentido nos grupos etários obrigados à sua “decoreba”? Seria necessário e indispensável “ensiná-los”? Contribuem para uma vida melhor? Irão fazer com que os alunos sejam mais sábios, mais felizes… quando “forem grandes”?

Para Pedro Demo, a BNCC era “uma proposta conservadora e dissimulada, mistura de retórica barata e de má consciência. Confundia conteúdos e habilidades, em seiscentas páginas intragáveis”.

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