(continuação)
De modo retórico, o Filipe questionava:
“A lei é provavelmente tão clara e tão subjetiva quanto pode ser. O que é que invalida existir três professores com 11 alunos num espaço de aprendizagem, sendo que cada um tem um roteiro de pesquisa individualizado, um plano individualizado e metas curriculares individualizadas e trabalham autonomamente?”
Mas os advogados consultores ao serviço do Ministério não tinham dúvidas quanto à ‘clareza da lei” – Ignorante das coisas da pedagogia, “o sapateiro subia acima do chinelo”:
“Parece evidente que a lei exige que as aulas sejam dadas a um único aluno num determinado espaço e a uma determinada hora, o que não se coaduna com uma aula coletiva ou com uma aula em que estão presentes vários alunos no mesmo espaço e no mesmo horário todos eles orientados pelo mesmo professor, apenas tendo cada aluno uma parte da atenção do professor.
Mesmo que o professor alegue que trabalha com cada aluno individualmente, o facto é que o professor se dispersa, saltitando de um aluno para o outro, eventualmente falando de matérias distintas, o que acaba por ter os inconvenientes das aulas ‘clássicas’, sem ter as suas vantagens”.
Num diálogo de surdos, prevalecia o senso comum aliado à ingenuidade pedagógica:
“Parece evidente”, “saltitando”, “aulas clássicas”… – não restava dúvida de que a ignorância e a arrogância eram características do terceiro obstáculo à Mudança. Advogados para quem as ciências da educação eram ciências ocultas, viciados na interpretação burocrática da regulamentação da Lei de Bases, cingiam-se à verborreia do costume, para impedir qualquer movimento emancipatório – o “dever de obediência” pairava como peste assassina sobre educadores “disruptivos” e espaços potencialmente inovadores. Como contornar o cerco?
A resposta fora dada em Brasília, em Mogi das Cruzes, em Maricá e outros lugares onde acontecia Mudança. – Grupos de Trabalho foram criados na intenção de inaugurar um novo tempo na relação entre as escolas e órgãos de poder.
Esses grupos de trabalho tiveram vida breve. Hábeis manobras de bastidores e a falta de quórum nas reuniões dos GT, provocada por funcionários das secretarias de educação, levaram à suspensão do diálogo. Mas, será este o caminho a seguir, convidar para um diálogo construtivo, esperando reação digna dos agentes do poder público.
Finalizo este quase “estudo de caso”, vos dizendo que os pais dos alunos pediram nova transferência dos seus filhos para o ensino doméstico, pedido que (garantem!) foi aceite.
E, enquanto o caso não se resolvia, uma escola recém-inaugurada e que custou cem mil euros, esteve fechada. As crianças foram transportadas para a sede do município, que dista trinta quilómetros de Monsanto. Duas viagens diárias impostas por gestores que “acham” que as crianças devem estar fechadas no interior de um edifício a que chamam escola, numa sala de aula com x metros quadrados de área, durante x número de horas em x dias ditos letivos. E que devem padecer incômodas horas em viagens de ônibus.
Desfecho do lamentável episódio: a ignorância é atrevida e triunfou.
Os alunos foram reprovados!… Aqueles que detêm o poder de decidir saberão AVALIAR? À luz da ciência produzida, desde há um século, a expressão “reprovar por faltas” é uma obscenidade. Ao impor a presença das crianças dentro de salas de aula, onde o direito à educação é negado a muitos desses jovens, não se estará a incorrer no crime de abandono intelectual? Ao recusar o diálogo e ao ameaçar os pais dos alunos, não se estará a praticar assédio moral?
