… E o debate teórico definhava face à normose instituída.
Num encontro virtual realizado há uns vinte anos, assumi o compromisso de acompanhar educadores éticos na criação das então chamadas “turmas-piloto”. Iria voltar ao chão da escola, ser tutor por mais um ou dois anos. Iria assistir a uma “reeducação axiológica”, dado que a cultura é um sistema vivo de valores.
A Lei de Bases dizia-nos que a educação era dever da família, da sociedade e do Estado, através da Escola. Inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, a lei reafirmava que a educação tinha por finalidade o pleno desenvolvimento do educando.
Decorridas muitas décadas sobre a data da sua publicação, ainda lidávamos com os efeitos do analfabetismo funcional, com a exclusão escolar e social e com outras manifestações de subdesenvolvimento educacional. O rendimento escolar mantinha-se num nível muito baixo e era um dado preocupante, dado que a maiores investimentos, à introdução de inúmeros projetos de “intencional melhoria do sistema” e à intensificação das ações de formação de professores, não correspondia um significativo aumento dos índices de aprendizagem.
Os resultados de iniciativas reformadoras não correspondiam à proposta da lei vigente – não bastava mudar as leis, por melhores que fossem as alterações. Somente conseguiríamos melhorar a educação dos nossos jovens, quando mudássemos as práticas.
A reprodução do modelo da escola universalmente conhecida era tão aceite pela sociedade que, raramente, despertava possibilidade de pensá-la diferente. Estruturado há mais de duzentos anos, o modelo se reproduzia de forma tão natural, que parecia perpetuar-se. A sua estrutura e funcionamento remontavam ao tempo da Primeira Revolução Industrial e atendia às características fabris – bancadas individuais, sinais sonoros marcando os tempos de trabalho, fragmentação do objeto a ser fabricado – e a necessidades sociais do século XIX.
A fragmentação materializara-se no currículo. Organizado em disciplinas, o conhecimento foi recortado, tornando quase impossível a compreensão das relações entre as partes. O conhecimento dividido era “ensinado” ao longo do ano letivo, por etapas: ano, bimestre, trimestre, semestre, sem que se percebesse quaisquer indícios de fundamentação científica para tal prática. E, se a Família terceirizava a educação dos seus filhos, uma sociedade doente normalizava a situação.
A normose instalara-se – todo o hábito, uma vez adquirido, se afundava no subconsciente, transmitido pela educação familiar, social e escolar... e se mantinha a ilusão de uma possível melhoria de um modelo educacional em acelerada decomposição.
As medidas de política educacional sofriam o efeito da descontinuidade, da definição de metas de curto prazo e projetos abandonados, a cada mudança de partido no poder, sem que uma avaliação dos efeitos fosse concretizada.
Há cerca de vinte anos, o que havia produzido o modelo de educação predominante? Escassa aprendizagem, indisciplina, muitos milhões desperdiçados na crise da escola da modernidade.
A melhoria da educação era reivindicação de educadores conscientes evidenciando a urgência da reconfiguração das práticas escolares, porque o contraste entre grandes investimentos e magros resultados eram alguns dos indicadores que validavam a má qualidade da educação.
Era esse o saldo de uma desastrosa condução do “sistema”. O que fazer diante desse cenário? Como fazer das escolas lócus de desenvolvimento sustentável?
