E chegou o momento de vos falar do terceiro obstáculo à mudança.
A Constituição e a Lei de Bases nos diziam que a Educação era um direito subjetivo, inalienável, era um direito de todos. Mas, ano após ano, o Sistema condenava milhares de alunos à ignorância, ao insucesso pessoal e social. – o modelo educacional imposto pela Administração do Sistema era a principal causa de “abandono intelectual”.
O Reino da Educação não era pobre em regulamentação, mas era uma regulamentação que manifestava caráter técnico-instrumental, continha laivos de uma racionalidade burocrática, instrucionista. Na prática e em contradição com o discurso, rejeitava-se a ideia de que as escolas poderiam constituir-se em espaços coletivos de criação de novas realidades. Por força de atavismos e vícios, todas as escolas deveriam ser “iguais à face da lei”. E até onde nos conduziria essa pretensa “igualdade”?
Na busca de “resultados”, escolas particulares antecipavam as férias, “para que os professores pudessem ser preparados para as aulas online”. Empresas de ensinagem praticavam um marketing agressivo, explorando a fragilidade do sistema público de ensino, tirando partido das dificuldades sentidas pelas famílias, prometendo soluções mágicas. Inclusive, ensinando as crianças a… brincar. O asqueroso anúncio assim rezava:
“Você poderá reunir seu filho (a) e seus amigos (cada um em sua casa) através de uma sala de reunião online onde um de nossos recreadores irá comandar brincadeiras e diverti-los por 40 minutos a uma hora. É necessário que o cliente tenha um computador, tablet ou celular com boa conexão de internet.”
Seguia-se uma lista de preços, para diferentes tempos de consumo do brincar: um preço “para 40 minutos de Recreação On-Line (até 3 crianças no mesmo local), outro para criança adicional na sala em local diferente, até no máximo 12 crianças na sala. Ou duas sessões de 30 minutos de Recreação On-Line (com intervalo de 10 minutos) etc.” O pagamento deveria ser efetivado por transferência bancária, até a data da live.
No dia em que este absurdo anúncio foi colocado na Internet, muitos educadores me dirigiram e-mails, em que manifestavam surpresa e revolta. A Carla escreveu:
“Um mundo que contrata pessoas para brincar com os filhos online!!! Quero ir embora desse planeta!!! Desculpe o desabafo.”
Respondi:
“O desabafo é legítimo, querida amiga. Mas não vás embora do planeta, porque o planeta está carente de pessoas, de educadoras como tu.”
Vivíamos um tempo marcado por uma modernização de racionalidade técnica, burocrática, industrial, numa sociedade da informação caracterizada pelo individualismo, pela solidão.
O modelo escolar herdado da primeira revolução industrial deveria ser repensado e transformado, partindo de caminhos já trilhados e valorizando a competência-base dos professores: o saber “dar aula”.
À nova construção social era uma práxis comunitária assente num modelo educacional gerador de desenvolvimento sustentável e assumiam a forma de rede simultaneamente social física e virtual. Privilegiar-se-ia a relação entre pessoas sobre as relações entre instituições, bem como as redes físicas sobre as virtuais, em aprendizagem presencial e remota.
Para que os pais e as professoras pudessem esclarecer as dúvidas relativas ao tipo de ensino que seria posto em prática em Monsanto, a autarquia fez contatos com educadores envolvidos em projetos “alternativos”. O Movimento da Escola Livre explicou o que era o ensino individual e foi assegurado aos pais que tudo era legal.
