Na Maricá, perto do lugar onde Darcy viveu os seus últimos dias, o dia 19 de julho de há vinte anos marcou o reinício do projeto “Praticar Darcy”, integrando o que, erradamente, o “Sistema que sustentava a crise” separava: a Família, a Sociedade e a Escola.
Não iludíamos os obstáculos, mostrávamos possibilidades – tratava-se tão só de um apelo a decência, de uma contribuição para a regeneração do “sistema que sustentava a crise”, uma simples prática de humanização do ato de aprender e de ensinar.
O convite à participação nesse ato cívico rezava assim:
“Convidamos os educadores de Maricá para “Praticar Darcy”, fazendo “uma Ponte” em Maricá. No dia 19 de julho, entre as 14 e as 17 horas, na Barra de Maricá, será realizada uma “residência pedagógica” com crianças, jovens e adultos participantes da Colónia de Férias da Associação Art7. Trata-se de uma efetiva INOVAÇÃO, que partilhamos com os educadores de Maricá.”
A “crise” que Darcy disse ser um “projeto” prolongava-se, indefinidamente. O sistema de ensinagem produzia muitos bonsais humanos – nesse julho de 25, o analfabetismo funcional atingia 40% de uma população vítima de um modelo educacional obsoleto.
Professores conscientes do genocídio educacional, que o instrucionismo causava, interpelavam a “crise-que-era-um-projeto”. Mas, num diálogo de surdos, as secretarias ignoravam ou perseguiam quem ousava questioná-las. Não restava alternativa. Se as secretarias ostracizavam propostas fundamentadas na lei, os professores passaram a ostracizar as propostas emanadas das secretarias, por estarem fora-da-lei.
Loyola Brandão confirmava a justeza da decisão tomada por esses professores – “Parece que a reação já começou com a desobediência civil”, dizia.
Na Índia da primeira metade do século XX, Gandhi reagiu às injustiças perpetradas pelo Império Britânico. O monopólio britânico proibia os hindus de produzir o seu próprio sal e Gandhy decidiu desobedecer às "Leis do Sal". Quando o colonizador ameaçou com represálias, Gandhy informou o vice-rei de que iniciaria uma desobediência civil em massa. E levou os indianos a desafiar o imposto salino cobrado pelos ingleses. A “Marcha do Sal” foi uma das iniciativas não-violentas, que contribuíram para libertar a Índia do colonialismo britânico. Gandhy era advogado especialista em ética política. Se vivesse nos idos de 2020, certamente estaria irmanado com os professores que desobedeceram a imposições e resistiram às ameaças … para cumprimento da lei.
Era evidente a trágica normose instrucionista, “a vida normalizara-se naquela anormalidade” – Loyola Brandão citava Euclides da Cunha, na obra “Os Sertões”. Registei o modo como Loyola Brandão justificou a citação:
“No momento em que a normalidade é o normal, com os índices de feminicídios, as milícias que comandam o Rio de Janeiro e as fações, isso não é o normal. Isso é uma anormalidade dentro do cotidiano.
Nós vivemos uma situação de medo, de sobressalto. Estamos sendo conduzidos como na fábula do flautista que toca e conduz os ratos que vêm atrás para o precipício.
A normalidade seria o respeito à lei” A normalidade seria respeitar a lei – conforme nos dizia o escritor – mas, as secretarias de educação obrigavam as escolas a desrespeitá-la.
Era chegado o tempo de questionar a “normalidade normótica” e até de juntar princípios antropagógicos à pedagogia, pois estávamos num tempo em que a educação da criança deveria contextualizar-se numa educação do ser humano, ao longo da vida, num permanente aperfeiçoar-se.
