Chegou a vez de vos falar do quarto obstáculo: a “Normose”.
Na Ponte de há quase meio século, dávamos boas aulas, bem planejadas, bem apoiadas em materiais e... não conseguíamos perceber por que razão havia alunos que não aprendiam. Compreendemos que precisaríamos mais de interrogações do que de certezas.
Mas, ao que parece, ainda há quem padeça de uma estranha normose. Eis o que aconteceu, no decurso de um seminário - deparei com um grupo de professores cheios de certezas. Perguntaram-me por que razão, estando eu aposentado, vivo envolvido em múltiplos projetos. que somos seres incompletos, cativos da freireana incompletude. Quiseram saber qual o projeto em que, naquela altura, eu estava envolvido. Disse-lhes que estava empenhado em ajudar a criar uma rede de comunidades de aprendizagem. Insistiram:
E, quando conseguir concretizar esse projeto, para definitivamente?
Disse-lhes que jamais pararia.
E o que vai fazer?
Espero entrar em mais algum projeto.
Qual?
Talvez um projeto que vise ir além, pois deverá haver algo melhor do que comunidades de aprendizagem...
Pelos esgares, que acompanharam a reação à minha resposta, creio que a não terão entendido.
Já Bachelard dissera que o ato de conhecer se dava contra um conhecimento anterior e que seria impossível anular, de um só golpe, todos os conhecimentos habituais. Detectávamos causas da inércia às quais dávamos o nome de obstáculos epistemológicos. O discurso continuava a contrariar a prática do discurso – para um pensamento único, vigorava um modelo único.
A mesmice das teorias era da mesma natureza da mesmice das práticas predominantes em aulas de saliva e power point. A síndrome do pensamento único não questionava uma normose, que tendia a perenizar rituais sem sentido.
Muitos anos atrás, foram muitas as teses que elegeram por objeto de estudo os obstáculos à mudança. Os doutorados desse tempo leccionavam como os doutorados de há cem anos. Obstáculos epistemológicos os impediam de agir em coerência com as conclusões das suas teses. Dissertavam sobre diversidade perante turmas que supunham ser “homogêneas”; ensinavam métodos ativos a alunos inativos; criam fazer “educação inclusiva”, quando ensinam a todos como se de um só se tratasse.
E eu me quedava perplexo face a teóricos que dissertavam sobre mediação sem jamais a praticarem, ficava confuso perante “construtivistas” cujas práticas eram a negação do construtivismo.
Esses personagens do drama educacional eram como Mister Jekyll na teoria e Mister Hyde nas práticas. Começava a entender o êxito comercial dos livros de autoajuda pedagógica, best-sellers desse tempo. Presumia-se que se pudesse ajudar professores a melhorar a s sua sala de aula, quando o necessário seria acabar com ela.
Nos idos de vinte, Ignácio de Loyola Brandão publicou um livro que dava pelo título “Desta Terra Nada Vai Sobrar a Não Ser o Vento que Sopra Sobre Ela”. O título fora extraído de um poema de Brecht sobre a Alemanha nazista. O livro começara a tomar forma, quando o imortal da Academia Brasileira de Letras leu num jornal que, no futuro, a ciência poderia produzir um homem sem cérebro, sem emoção.
A Indiferença, a apatia, a corrupção moral configuravam a cultura profissional da maioria dos professores desse tempo.
Ao longo de mais de meio século me aconselharam:
“É inútil, Zé! Só te irás prejudicar.”
A que prejuízo se referiam as vozes desistentes? À perda de dignidade profissional? À normótica abdicação de cidadania?
Em resposta, eu lembrava aos professores o exemplo de mestres como Mahatma Gandhy.
