Não “choremos sobre leite derramado”, falemos sobre possibilidades de Mudança, começando pelo “caminho das pedras” da Escola da Ponte.
No julho de vinte e cinco, mãos amigas me encaminharam a reação a uma notícia veiculada pelo Facebook:
“Acabo de receber o relatório de avaliação externa da Escola da Ponte. A escola foi detalhadamente avaliada por uma equipa da Inspeção Geral da Educação e Ciência (IGEC) durante cinco dias e o resultado é "Excelente"!
Este projeto iniciado por José Pacheco há muitos anos em Vila das Aves, prossegue o seu caminho de inovação e suscita sempre duas perguntas: "Porque sim?" e "E porque não"?
Bravo a toda lúcida, ética e corajosa equipa da Escola da Ponte que recebeu das mãos do José Pacheco, da Anita, da Geni, uma herança que não para de valorizar. Bravo a todos os Orientadores Pedagógicos, famílias, alunos, Conselho de Gestão. Todos, todos! Parabéns, "excelente" Escola da Ponte!”
No ano letivo iniciado no setembro de 2025, o projeto “Fazer a Ponte” completaria 50 anos de existência. O que o teria permitido sobreviver no contexto de um sistema obsoleto e autoritário? Como teria escapado às tentações de um sistema moralmente corrupto? E por que não havia mais escolas como a da Ponte?
Em 2004, me afastei do projeto (fisicamente!). Nos anos que se seguiram, recebi dos novos coordenadores muitos pedidos de ajuda. Tentei ajudá-los. Porém, notava um certo “baixar de braços” perante atitudes prepotentes do Ministério e insidiosas manobras de políticos corruptos e “professores” de outras escolas, que tentavam “expulsar” a Escola da Ponte de Vila das Aves.
Também recebia mensagens enviadas por visitantes:
“Estive na Ponte como professor voluntário e verifiquei, comparando, que o tipo de trabalho que se realizava na altura era, em minha opinião, melhor do que o atual. Por exemplo, existe diferença ao nível do trabalho dos alunos e ao nível das atitudes que eles assumem. O ambiente de trabalho nos espaços não é tão sereno como era no primeiro ano em que estive na escola. E os alunos eram mais autônomos em relação aos professores”.
Os olhares externos me inquietavam, e renovei o meu “contrato” com a minha escola, desenvolvendo formação à distância. Nesse contexto, fui reunindo depoimentos que, se disfarçavam a crise, me foram, cada vez, mais preocupado com o futuro do projeto Fazer a Ponte. Alguém escreveu:
“Não sei se consigo passar para o papel o sentimento que me tem incomodado. Por que a equipe de professores perde a motivação e autonomia diante da mudança do líder?”
A resposta talvez pudesse ser encontrada numa entrevista que o amigo Rui Canário comigo compôs, em meados dos anos 90. A pergunta “Porque não há mais escolas como a Escola da Ponte?” talvez pudesse ser respondida pelo Rui, porque foi coautor da iniciativa de defesa da Ponte, quando o ministério tentava extinguir o projeto. Mas a morte o levou no julho de há vinte anos.
Outro Rui assim celebrou a memória do Rui:
“O Rui Canário morreu e com a sua morte perdemos um pensador emérito, não só pelos horizontes que desbravou como pela integridade moral de um pensador e de um ativista rigoroso, exigente e consequente.
Ainda que continuemos a ter o seu legado à nossa disposição, diria mesmo que incrustrado em muitos de nós, perdemos a sua clarividência e originalidade. Perdemos o seu olhar sereno, se bem que implicado, que tanto nos ajudou a ter uma referência e um rumo.
É em momentos como estes que compreendemos a finitude das palavras. É em momentos como estes que nos restam as memórias para podermos lidar com a dor.”
