Pular para o conteúdo principal

Ubatiba 17 de julho de 2045

A Raquel e a Carla foram convidadas pela Câmara Municipal de Idanha-a-Nova para um projeto de ensino que estava a deixar a isolada vila de Monsanto em polvorosa. A Escola Básica da Relva tinha apenas 11 alunos, tendo sido encerrada pelo Ministério da Educação no final do ano letivo anterior. As crianças foram matriculadas na EB de Idanha-a-Nova, a 30 quilómetros de distância da vila. Os pais ficaram em choque e opuseram-se à decisão. 

A Câmara Municipal apresentou uma providência cautelar contra o fecho da escola, aguardando resposta do Tribunal. Os encarregados de educação procuraram alternativas e encontraram na lei uma solução que parecia resolver o problema: o ensino individual. Pediram apoio à Câmara, que pôs o complexo escolar reabilitado à disposição dos pais e prometeu ajudar, contratando professores e promovendo contatos com outras iniciativas de ensino livre e individual.

Desde setembro, os 11 alunos eram acompanhados por duas professoras pagas pela Câmara Municipal. Mas, o Ministério da Educação dizia que as crianças estavam em abandono escolar.”

Ministros ignorantes e lideranças tóxicas detestavam tudo o que parecesse “disruptivo” e usavam de autoritarismo para anular qualquer esboço de mudança.

“Explicava o Ministério que a lei dizia que ensino individual é aquele “que é ministrado por um professor habilitado a um único aluno, fora de um estabelecimento de ensino”, como se poderia ler no artigo 3.º do Decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de novembro”. 

Em 2015, o Ministério considerou ilegal “o tipo de ensino” de Monsanto e... reprovou as onze crianças.

Os pais contestaram e acusaram:

“Isto "é uma guerra política. Eles foram chumbados por uma guerra que não tem nada a ver conosco. Houve aqui muitas guerras. Não há outro nome. Fizemos o pedido de transferência, no período legal, por via postal, tendo recebido a respetiva anuência pela mesma via. É ridículo. Isto é uma guerra aberta. E eu pergunto: o que é que os miúdos têm a ver com a porcaria da política?”

A equipa técnica da Comissão Nacional de Proteção das Crianças e Jovens em Risco, garantiu que “a transferência de toda e qualquer criança deveria ocorrer até ao início do segundo período”, seja entre escolas, seja entre modalidades de ensino. Mas o Ministério dirigido por um ministro de má memória afirmava que o Agrupamento de Escolas, “após confirmar o seu entendimento da situação com a Direção de Serviços da Região Centro (DSRC)”, considerou “improcedentes os argumentos apresentados pelos encarregados de educação”.

E mais não disse.

Se os legisladores esgrimiam com artigos e decretos, teriam lido o artigo 48º da Lei de Bases? Se o leram não o entenderam. Para esses escribas as ciências da educação talvez fossem ciências ocultas.

Em contrapartida, os pais dos alunos e os autarcas da Idanaha pareciam deter conhecimento das teorias da aprendizagem...

“Às crianças foi ministrado o ensino individual, na modalidade de um professor para um único aluno, comprovado no dossier de cada criança, que refletiu a evolução individualizada de cada aluno, ao longo do ano, de forma diferenciada. Nas diferentes comunicações e visitas do Ministério da Educação sempre foi demonstrado e comunicado o cumprimento da Lei”. Apesar de haver três professoras para os 11 alunos, estavam a aprender cada um com a sua.

Isto nada tem a ver com o ensino normal!”

Na cartinha de amanhã, vos falarei do desfecho do imbróglio de Monsanto. Malgrado a sólida fundamentação apresentada por professores e pais, aves de mau agoiro conspiravam em burocráticos antros.

Postagens mais visitadas deste blog

Barcelos, 13 de setembro de 2025

No mês de abril do ano 2000, Rubem visitou uma escola, que viria a referir nas suas palestras, até ao fim da sua vida. A Escola da Ponte havia sido a primeira a consolidar a transição entre o paradigma da instrução – o do ensino centrado no professor – para o paradigma da aprendizagem.  Na esteira da Escola Nova, o aluno era o centro do ato de aprender. E o meu amigo surpreendeu-se com o elevado grau de autonomia dos alunos, comoveu-se com os prodigiosos gestos de solidariedade e manifestações de ternura, que ali presenciou.  Pela via da emoção, me trouxe para o Brasil e para ele vai a minha gratidão, nestas poucas linhas: Querido amigo, falando de tempo – essa humana invenção de que te libertaste –, reparo que já decorreram vinte e cinco anos sobre um remoto dia de abril, em que, pela primeira vez, partilhaste o cotidiano da Escola da Ponte e me convidaste a conhecer educadores do teu país.  Desde então, a minha peregrinação pelo Brasil das escolas não cessa, como não ce...