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Vila Nova de Gaia, 21 de agosto de 2045

 
A cartinha de ontem terminava com um comentário:

“Lembro-me de uma professora que, sempre prevenida, carregava consigo testes que ameaçava aplicar, se as coisas não corressem como havia planeado.”

A professora responde ao comentário:

O carácter recorrente da aplicação desta "arma infalível" leva-me hoje a acreditar que jamais esta professora se apercebeu de que os "indisciplinados" eram alunos cuja autoimagem se tinha destruído gradualmente.

Neste dia de há vinte anos, o vosso avô encontrava-se hospitalizado – cuidava de si, para poder cuidar de outros. Por esse tempo, empresas abútricas vendiam aulas de “sócio emocional” para alunos, esquecendo que seria prioritário cuidar do sócio emocional dos professores. E os adultos “docentes” projetavam nas crianças e jovens discentes frustrações, traumas mal resolvidos. Por isso, a Luísa nos dizia que o oposto do amor era a indiferença:

“O que é importante é ter relações emocionais que sejam significativas, e há vários estudos, como o Harvard Longitudinal Study, que mostra que o que as pessoas consideram mais gratificante em termos de longevidade saudável e de felicidade é o tipo de relações sociais que tiveram, sejam românticas, com amigos, família, mais do que o sucesso profissional ou o dinheiro.

Sabemos também que o isolamento social é um fator de risco para a depressão e para a demência. E, quando digo relações sociais, não me estou a referir a andar em festa ou ter uma vida social muito ativa, mas, sim, em ter um núcleo social à volta.”

A Ponte criara esse “núcleo social”, quando, em 1976, com pais de alunos, um professor fundou o seu “núcleo de projeto”. Trinta anos decorridos, era a comunidade constituída em torno desse núcleo que dava resposta às interrogações formuladas por visitantes, estudiosos e outros curiosos.

É obvio que só faz sentido que as avaliações sejam feitas conforme as possibilidades reais de cada um dos nossos alunos. Pedir o mesmo a todos poderá significar pedir demais a alguns.

Essa é também uma das consequências da forma como encaramos a avaliação. Nas escolas ditas tradicionais, quando se passa uma prova aos alunos de uma turma, o professor já sabe que o aluno não vai ter um bom resultado. No fundo, uma grande parte da avaliação (no sentido de recolher dados sobre cada um dos alunos) já está feita. O teste serve só para conseguir uma prova física do "não conhecimento" ou do "conhecimento" do aluno.

Alguns dos alunos que a Ponte recebe vieram de outras escolas. Alguns deles vieram rotulados de “maus alunos" e sabiam que, cada vez que faziam um teste, teriam má nota. Se assim é, para que é que se colocam os alunos nestas circunstâncias? Para ele perceber, mais uma vez, que não sabe...?

Por outro lado, a tentativa de elevação da autoestima (algo absolutamente fundamental em qualquer aluno/individuo) é alcançada de várias formas, nomeadamente na adequação do trabalho aos seus interesses e características. A avaliação é simultaneamente consequência e causa da alteração do tipo de trabalho.

Finalmente, penso que é importante salientar que existem alguns casos (poucos) em que os alunos se inscrevem no dispositivo "Eu já sei" e ainda… não "sabem".

Normalmente, eles reconhecem com facilidade isso mesmo e continuam o seu trabalho. Sobre autoavaliação, nos sentimos instigados a comentar nossos conceitos, que se conflituam com nossa realidade escolar. Para as mudanças ocorrerem no sistema escolar, em nosso ambiente escolar, esbarram-se em obstáculos, que ultrapassam os muros da escola e os sonhos dos educadores.

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