Entre os meses de maio e setembro, enquanto padecia num leito de hospital, o tempo de Inatividade foi tempo de rever tempos idos e de esperar voltar as lides – difícil espera!
Acolhido em família. A minha irmã Isabel me ajudou a sair de uma situação de fragilidade para regressar a uma “vida normal”. E os primeiros dias dessa transição coincidiram com o início de mais um ano letivo – o “regresso às aulas”.
A televisão transmitia entrevistas com ministros e sindicalistas em reportagens idênticas a outras, que eu ouvira ao longo de mais de meio século acrescentadas da “falta de professores”. Um falso problema, dado que, em muitos concelhos a ratio era de três alunos para cada professor. E nas sedes de muitos municípios os ditos “centros educativos” (autênticos “elefantes brancos”) estavam semidesertos de alunos.
Por décadas, uma desastrosa política educacional havia provocado um autêntico genocídio educacional. A manutenção de um modelo educacional autoritário e corrupto fora responsável pelo abandono intelectual de milhares de alunos, privados do direito à educação.
A corrida aos supermercados recomeçara. As famílias faziam contas de subtrair, para ver se um salário seria suficiente para a compra de mochilas, “material” e inúteis livros didáticos. O “supermercado pedagógico” florescia. Palestrantes, consultores e quejandos aumentavam a sua conta bancária, empresas abútricas e centros de explicações acumulavam lucros, sindicatos erguiam protestos e os ministros vinham a público dizer que o início do ano letivo fora um êxito.
O amigo Matias publicou “UM VOTO, NO REGRESSO ÀS AULAS”:
“Porque o desejo de saber é consubstancial ao ser humano. Porque temos que descobrir, compreender e analisar todos os dias o mundo. Porque é necessário que surjam das aulas gerações de pessoas capazes de transformar e melhorar a vida no planeta. Porque há professoras e professores decididos a trabalhar juntos para o conseguir, ainda é possível a alegria.
Para todos, neste dia, a minha admiração, as minhas felicitações e este simples e veemente convite à alegria.”
Belas e sentidas palavras de um ser humano, que me habituei a respeitar. Mas, o meu amigo habitava o sétimo céu do ensino dito “superior”, o submundo do teoricismo, e presumia que já teríamos saído da proto-história da Escola. Ledo engano!
A “Escola Cidadã” do Anísio e do Sérgio ainda era uma miragem, a Escola Pública, a formação de cidadãos democráticos e participativos só existia nas teses de doutoramento. E no setembro de 2025, discutia-se alterações no currículo da disciplina de Cidadania.
No setembro de 1999, na qualidade de membro do Conselho Nacional de Educação, fui incumbido de elaborar um “parecer” sobre uma proposta de lei de reorganização curricular. Nessa proposta surgia, pela primeira vez, a proposta de criação de uma disciplina, que (se não me trai a memória) dava pelo nome de “Educação para a Cidadania”. No “parecer”, eu perguntava se os alunos só eram cidadãos na aula dessa disciplina, se não exerciam cidadania nas aulas de matemática ou de educação física.
O ministério fez “ouvidos de mercador” e mais um paliativo passou a enfeitar um sistema educacional caduco.
Um comercial de “volta às aulas” nos EUA não mostrava apenas mochilas e cadernos… mostrava crianças apavoradas, tentando se proteger de ataques dentro da escola. O que deveria ser um espaço de aprendizado e sonhos se transformou em cenário de medo. Esse vídeo era um alerta para o mundo inteiro: nenhuma criança deveria aprender a sobreviver em vez de aprender a viver.
.png)