É bem verdade que o maior aliado de um professor é outro professor. Mas, como vos disse na cartinha de ontem, o maior inimigo também poderá ser outro professor. A Ponte conheceu as agruras da maldade infligida por professores de escolas próximas, da corrupção moral de professores funcionarizados e pela ação de lideranças tóxicas.
O terceiro dos obstáculos e bem difícil de ultrapassar nos foi colocado por um sistema hierárquico, composto de castas, por uma administração educacional apoiada numa regulamentação da lei assente numa racionalidade técnico-instrumental e burocrática. Eis um caso exemplar:
No final de um ano letivo, com assiduidade plena e significativas aprendizagens realizadas, os alunos da escola de Monsanto “reprovaram por excesso de faltas”.
A que faltas se referia o ministério, se os alunos estiveram em situação de ensino doméstico?
Os pais dos alunos optaram pelo ensino doméstico, o agrupamento de escolas deu luz verde ao processo e as crianças foram acompanhadas por duas professoras. Porém, no primeiro dia de aulas do ano letivo seguinte, os pais foram informados de que o ministério não reconhecia a avaliação positiva aos alunos, atribuída pelas docentes.
O ministério considerou ilegal “o tipo de ensino” de Monsanto e... reprovou as onze crianças. Os pais contestaram:
“Isto "é uma guerra política, que não tem nada a ver conosco. Fizemos o pedido de transferência, no período legal, tendo recebido a respetiva anuência. É ridículo!”
À luz da ciência produzida, desde há um século, a expressão “reprovar por faltas” é uma obscenidade. Ao impor a presença das crianças dentro de salas de aula, onde o direito à educação é negado a muitos desses jovens, não se estará a incorrer no crime de abandono intelectual? Ao recusar o diálogo e ao ameaçar os pais dos alunos, não se estará a praticar assédio moral?
O projeto tinha sustentabilidade legal e científica. Mas, os advogados e consultores ao serviço do Ministério não tinham dúvidas quanto à ‘clareza da lei”. Ignorante das coisas da pedagogia, “o sapateiro subia acima do chinelo”, gozando de impunidade.
Se os legisladores esgrimiam com artigos e decretos, teriam lido o artigo 48º da Lei de Bases? Se o leram não o entenderam. Para os burocratas as ciências da educação talvez fossem ciências ocultas. Mas, o que fizeram os cientistas da educação? Nada! Não reagiram perante a prepotência ministerial. E o seu silêncio era obsceno, insuportável.
A Constituição e a Lei de Bases nos dizem que a Educação é um direito subjetivo, um direito de todos. Mas, ano após ano, o Sistema condena milhares de alunos à ignorância, ao “abandono intelectual”. O modelo educacional obsoleto e carente de fundamentação científica, que a administração educacional impõe às escolas, é mais um obstáculo ao cumprimento da lei – um obstáculo ao direito à Educação.
Os pais dos alunos pediram nova transferência dos seus filhos para o ensino doméstico, pedido que (garantem!) foi aceite. E, enquanto o caso não se resolvia, uma escola recém-inaugurada e que custou cem mil euros, esteve fechada. As crianças foram transportadas para a sede do município, que dista trinta quilómetros de Monsanto. Duas viagens diárias impostas por gestores que “acham” que as crianças devem estar fechadas no interior de um edifício a que chamam escola, numa sala de aula com x metros quadrados de área, durante x número de horas em x dias ditos letivos... e deverão padecer incômodas horas em viagens de autocarro.
Desfecho do lamentável episódio: a ignorância é atrevida e triunfou.
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