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Gondomar, 16 de setembro de 2025

Contrariamente ao que dizia um jornal (cf. foto), não me considero melhor professor por me ter emancipado de práticas educacionais genocidas – como qualquer outro educador, apenas agi coerentemente, tomei uma decisão ética e. há mais de cinquenta anos, deixei de “dar aula” em sala de aula. Só isso!

Compreendi que o ato de aprender não deverá estar centrado no professor, nem no aluno, porque não existe centro, apenas relação humana – uma relação que, na escola da sala de aula, carece de humanização. 

Aprendi que aprendemos na intersubjetividade, mediatizados pelo objeto de estudo e pelo mundo, a partir de necessidades pessoais e sociais. Porém, nesse tempo, a menoridade das ciências da educação dificultava a erradicação do dispositivo central de um modelo educacional concebido no decurso da Primeira Revolução Industrial e que agonizava em meados do século XX. 

Três ruturas paradigmáticas se sucederam em vertiginoso ritmo, sem que a Universidade se desse conta. Após décadas de adaptação de teorias existentes a realidades que se transformaram e perante aceleradas mudanças sociais e inovação tecnológica, os dados da pesquisa no campo da neurociência e da inteligência artificial, ou a sutil convergência entre a teoria da complexidade e a produção científica radicada no paradigma da comunicação, exigem que, para além de uma tomada de consciência da obsolescência do modelo escolar, seja assumido um compromisso ético com a educação. 

O paradigma humanista predomina nos documentos de política educacional. Porém, têm pontificado o paradigma racional, a par do tecnológico. 

A superação do paradigma escolar vigente é uma utopia necessária. Existe a demanda de transformação da educação e de ultrapassar o âmbito restrito da educação escolar, agindo em múltiplos espaços sociais, políticos e culturais. Um novo paradigma emerge, entretanto: o paradigma da comunicação. Na universidade, sucedem-se as teses sobre o esse emergente paradigma, frequentemente associado à teoria da complexidade. Paradoxalmente, os seus autores continuam “dando aula” em sala de aula, prática incompatível com o paradigma que, teoricamente, adotaram. 

A adoção de um determinado paradigma educacional não é neutra. Reflete a opção por um determinado tipo de vida em sociedade, de visão de mundo. Num mundo em que imperam princípios de disjunção, de redução, de abstração, (o que Morin designava de “paradigma da simplificação”), um pensamento que impede a conjunção do uno e do múltiplo, anula a diversidade. 

Nesta cartinha, darei por concluída uma breve reflexão sobre a docência no ensino dito “superior” – trabalhei no “superior” e no “não-superior” (absurdo eufemismo parido pela administração educacional) e concluí que se necessário fosse classificar um patamar de “superior”, pela qualidade e nível de responsabilidade, esse adjetivo seria bem aplicado à educação de infância – os primeiros mil dias de vida de um ser humano são de crucial importância – ou ao Fundamental/Básico/Primário.

Que me seja permitido transcrever o “mea culpa” de uma professora que “não dá aula em sala de aula” e atua em universidades, há mais de duas décadas:

“Houve períodos em que fui obrigada a dar aulas formais, expositivas. Chegava a ser humilhante a comparação do aprendizado dos alunos que tinham aulas expositivas, com os alunos que as não tinham. 

Alunos de instituições com aulas expositivas são dependentes da resposta pronta, incapazes de solucionar problemas e acomodados na passividade de um recetáculo de conteúdos.” (amiga Tina)

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