Uma mensagem que já vos dei a conhecer continuava assim:
“Ontem, apareceram aqui de surpresa por causa de uma denúncia. Fui pressionada para me calar e entrar no sistema. O Diretor disse que projetos como o da Escola da Ponte não valem nada.
Estávamos em diálogo com a secretária dele, esperando, há semanas, sem uma resposta. E nada! Já não sei o que fazer, estou sem dormir, doente, passando mal com toda essa situação. Eles não têm interesse na melhoria da qualidade da educação e estão burocratizando o processo.
Estou sendo muito desrespeitada. Mas o importante é que já tenho planos para o próximo ano. Não vou desistir tão fácil! E como professora não estarei refém de nenhum diretor moralmente fraco.
Tive uma conversa com ele. Foi categórico. Disse-me que esta escola tinha que ser como as outras, que uma escola tem que ensinar só português e matemática e pronto! Que o que os pais querem é que os filhos sejam doutores.
Um discurso arrogante e banal. Foi em vão a minha conversa! Ele é covarde, não tem opinião, deixa-se levar pela maré.”
Eram frequentes as mensagens que traduziam sentimentos como a frustração, o desânimo, a indignação. A todas eu respondia incitando a voltar a “pôr as mãos à obra”, a retomar uma práxis reconstrutora, pois acreditava (e acredito) nos professores e parto daquilo que eles são, para que se sintam seguros no processo de mudança.
Aproveito a formação experiencial dos educadores esperançosos. Concedo-lhes todo o tempo necessário e condições de autotransformação. Pois, como diria Sartre, não somos responsáveis por aquilo que fizeram de nós, mas seremos responsáveis por aquilo que fizermos com aquilo que fizeram de nós.
Contudo, a essa convicção deveria juntar a análise dos obstáculos que se colocam a quem se propõe operar mudanças – e inventariar possibilidade da sua ultrapassagem.
Sempre que me perguntavam qual era o primeiro dos obstáculos, eu respondia:
“O primeiro obstáculo sou eu, e confesso que não foi fácil ultrapassá-lo. O principal obstáculo é o educador que não toma a decisão ética de mudar. Embora saiba que do modo como ensina não assegura a todos o direito à educação, continua semeando ignorância. Todas as intenções de mudança deparam com hesitações, que resultam de “traumáticas experiências” vividas no seio de um sistema moralmente corrupto.
Jung dissera:
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.”
E acrescentara a esta citação que o encontro de duas personalidades se assemelhava ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorresse, ambos sofreriam transformação. E eu não deixava de pensar no tempo em que ainda “dava aula”.
Pelos idos de setenta, eu recusei fazer planejamentos semanais, e fazia o meu plano de aula na véspera. Porém, quando, no dia seguinte, eu dava a aula planejada no dia anterior, sentia que não era eu quem ali estava. Na sala de aula, o eu-ator representava um papel escrito no dia anterior. Eu era um clown, que não geria a imprevisibilidade. Eu não era autêntico. Eu não estava ali, numa relação de inteireza e profundidade. Algo ou alguém estava ausente.
Compreendi que aprendíamos na intersubjetividade, na relação com o mundo, no estabelecimento de vínculos cognitivos, mas também emocionais e afetivos. Aprendíamos no re-ligare da família com a sociedade e a escola. Foi nesse contexto que o “Fazer a Ponte” foi concebido. Foi desse modo que o primeiro obstáculo foi ultrapassado – com a ajuda das famílias dos meus alunos, com o apoio de uma comunidade.
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