No outubro de 2025, tive o pressentimento de que talvez estivesse chegando o “tempo da delicadeza” profetizado pelo Chico.
Enquanto
o projeto da Comunidade da Lagoa de Maricá esteve suspenso, aguardando que o
poder público assumisse a sua responsabilidade – vos lembro que fora a
secretaria de educação que solicitara a criação de uma Rede de Comunidades –
fomos “Praticando Darcy”, tentando dar forma ao seu intento de acabar com “uma
crise que era um projeto”.
No
encontro de fevereiro, à semelhança do que acontecia na Ponte – lá, antes de
dar início a uma reunião, havia, canto, dança, poesia…. – foi lido um poema de
Darcy: o “Idos sidos”
“Que
é que fiz, não fiz, de mim?
Que
é que fiz na vida, da vida?
Quem
sou eu? Esse eu que me sou.
Minhas
mãos me pendem soltas.
Inúteis
para fazimentos.
Só
servem para escrever, acarinhar.
Não
sei dançar, nunca soube.
Olho,
idiota, o céu estrelado.
Não
conheço estrela nenhuma.
As
árvores, tantíssimas, que vi.,
Recordo
inumeráveis, enormíssimas,
Não
sei quem são.
Diante
das flores me extasio.
Tolo,
só reconheço rosas, orquídeas, cravos.
A
música clássica me atordoa, cansa.
Quem
sou eu, septuagenário,
Que
esgoto meu tempo de me ser aqui?
Insciente,
perplexo, inexplicado.
Só
cheio de saudades de mim.
De
tantos eus que fui. Sidos. Idos.
Somos
descartáveis, sei, mas dói.”
Junto com Anísio, Freire e Lauro, Darcy formou “o quarteto mais fecundo, fértil e
injustiçado da história da educação em nosso país”. Numa “confissão” de fim
de vida, desabafou:
“Fracassei
em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não
consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade
séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e
fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar
de quem me venceu.”
“Vingando”
Darcy, celebrando recomeços, no auspicioso 2022, a prefeitura de Maricá lançava o projeto “Comunidade de Aprendizagem”. Esse
lançamento
se inseria na celebração do centenário do nascimento de Darcy Ribeiro. Numa
sociedade atolada em fundamentalismos e negacionismos, um oásis feito de bom
senso e esperança nascia.
A Secretaria
Municipal de Educação, pela voz da Secretária Adriana, assumia que a iniciativa visava “melhorar a
aprendizagem, com mais diálogo e envolvimento de estudantes, pais e escola, na
escolha dos processos educativos”. E acrescentava:
“Seis escolas
foram selecionadas para um projeto-piloto, escolhidas de acordo com a sua
localidade, faixa etária dos alunos e porque as gestoras tinham experiência com
tempo integral”.
O lançamento do
projeto ocorreu na Casa Darcy Ribeiro, em Cordeirinho. As secretarias de educação
das cidades de Vassouras e de Mendes se fizeram representar. A secretária Magda
Sayão e a secretária Maria Paula partilhavam as convicções da secretária
Adriana:
“Vamos quebrar
vários paradigmas da comunicação, personalizando o aprendizado. Nossos alunos
vão aprender efetivamente sobre aquilo que eles têm interesse e, por isso, a
formação dos professores é essencial nesse processo”.
Em
Mendes, decorria o ano de 1983, se partiu de um tempo distópico para o anúncio
da utopia sonhada por Darcy. A Escola Pública ressurgia, num
país que exilara a geração de ouro dos pioneiros do escolanovismo.
No
“Encontro de Mendes” de 1983, organizado pela Rosiska
e pelo Darcy, visava-se concretizar diretrizes
educacionais, num processo amplamente participado. Passaria quase meio século
até à concretização desse desiderato… em Maricá.
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