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Bom Jesus dos Perdões 29 de outubro de 2045

No outubro de 2025, tive o pressentimento de que talvez estivesse chegando o “tempo da delicadeza” profetizado pelo Chico.

Enquanto o projeto da Comunidade da Lagoa de Maricá esteve suspenso, aguardando que o poder público assumisse a sua responsabilidade – vos lembro que fora a secretaria de educação que solicitara a criação de uma Rede de Comunidades – fomos “Praticando Darcy”, tentando dar forma ao seu intento de acabar com “uma crise que era um projeto”.

No encontro de fevereiro, à semelhança do que acontecia na Ponte – lá, antes de dar início a uma reunião, havia, canto, dança, poesia…. – foi lido um poema de Darcy: o Idos sidos

“Que é que fiz, não fiz, de mim?

Que é que fiz na vida, da vida?

Quem sou eu? Esse eu que me sou.

Minhas mãos me pendem soltas.

Inúteis para fazimentos.

Só servem para escrever, acarinhar.

Não sei dançar, nunca soube.

Olho, idiota, o céu estrelado.

Não conheço estrela nenhuma.

As árvores, tantíssimas, que vi.,

Recordo inumeráveis, enormíssimas,

Não sei quem são.

Diante das flores me extasio.

Tolo, só reconheço rosas, orquídeas, cravos.

A música clássica me atordoa, cansa.

Quem sou eu, septuagenário,

Que esgoto meu tempo de me ser aqui?

Insciente, perplexo, inexplicado.

Só cheio de saudades de mim.

De tantos eus que fui. Sidos. Idos.

Somos descartáveis, sei, mas dói.”

Junto com Anísio, Freire e Lauro, Darcy formou “o quarteto mais fecundo, fértil e injustiçado da história da educação em nosso país”. Numa “confissão” de fim de vida, desabafou:

“Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”

“Vingando” Darcy, celebrando recomeços, no auspicioso 2022, a prefeitura de Maricá lançava o projeto “Comunidade de Aprendizagem”. Esse lançamento se inseria na celebração do centenário do nascimento de Darcy Ribeiro. Numa sociedade atolada em fundamentalismos e negacionismos, um oásis feito de bom senso e esperança nascia.

A Secretaria Municipal de Educação, pela voz da Secretária Adriana, assumia que a iniciativa visava “melhorar a aprendizagem, com mais diálogo e envolvimento de estudantes, pais e escola, na escolha dos processos educativos”. E acrescentava:

“Seis escolas foram selecionadas para um projeto-piloto, escolhidas de acordo com a sua localidade, faixa etária dos alunos e porque as gestoras tinham experiência com tempo integral”.

O lançamento do projeto ocorreu na Casa Darcy Ribeiro, em Cordeirinho. As secretarias de educação das cidades de Vassouras e de Mendes se fizeram representar. A secretária Magda Sayão e a secretária Maria Paula partilhavam as convicções da secretária Adriana: 

“Vamos quebrar vários paradigmas da comunicação, personalizando o aprendizado. Nossos alunos vão aprender efetivamente sobre aquilo que eles têm interesse e, por isso, a formação dos professores é essencial nesse processo”. 

Em Mendes, decorria o ano de 1983, se partiu de um tempo distópico para o anúncio da utopia sonhada por Darcy. A Escola Pública ressurgia, num país que exilara a geração de ouro dos pioneiros do escolanovismo.

No “Encontro de Mendes” de 1983, organizado pela Rosiska e pelo Darcy, visava-se concretizar diretrizes educacionais, num processo amplamente participado. Passaria quase meio século até à concretização desse desiderato… em Maricá.

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