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Guarujá, 24 de outubro de 2025

Muitos anos decorridos sobre a primeira vez que prestei colaboração ao meu amigo Mohamed, voltei a Guarujá, para participar no congresso da OMEP – oportunidade de escutar educadores de primeira água, de aprender com as descrições dos seus projetos e de conhecer uma mulher corajosa, generosa, de nome Eneida. Dela vos falarei em próxima cartinha.

Outro dia de outubro, o 24 de outubro de 1976 foi um domingo, o dia em que nasceu o Professor André Pacheco. Na terça-feira seguinte – 26 de outubro de 76, munidos de um projeto e um regulamento, com a recentemente criada Comissão de Pais, se elaborou um rascunho de Estatutos da Associação de Pais, no ano seguinte criada ao abrigo do da Lei 7 / 77.   

Quatro anos antes, no outubro de 1972, eu havia redigido um texto que tinha por título “Democraticidade e Participação”. Em tempo de ditadura, isso me valeu uma admoestação e algo mais… Porque a ditadura era implacável, não admitia divergências de um jovem professor de uma classe masculina… e, severamente, o puniu.

A criação de uma associação de pais marcou o início de um processo de autonomização, que se concluiria em 2004. Foram gastos 28 anos num jogo de “esconde-esconde” com um ministério astuto e autoritário. E, tão logo o vosso avô se afastou (fisicamente) da Ponte, os coordenadores do projeto Fazer a Ponte – que tinham sido meus alunos na universidade – sentiram pressões, sofreram ameaças veladas e abandonaram o cargo. Ao cabo de meia dúzia de anos, o ministério atrever-se-ia a “rasgar” um contrato de autonomia tão arduamente firmado – retirou-lhe competências e exilou a Ponte na outra margem do Vizela.

Essa é uma das razões por que irei voltar ao chão da escola, para que a Ponte volte a ganhar raízes na terra que a viu nascer, ao mesmo tempo que se enraíza em terras vizinhas. 

Entre os dias 24 e 26 de outubro de 76, se gestou um projeto – era um pai concebendo uma escola para um filho recém-nascido, um projeto que se transformaria em algo mais amplo: no anúncio de uma Nova Escola para uma Nova Humanidade.

Netos queridos, este dia de outubro é muito “especial”. Recordo com profunda emoção o dia do nascimento do vosso pai. E, também, os restantes dias de um outubro em que um projeto de vida pessoal e profissional se gestou, em que uma decisão ética me levou a conceber uma escola para o meu filho e para todos os filhos de todos os pais. 

Tal como vós o Professor André foi concebido num berço de carinho, mas nascido em tempos sombrios. A sua vinda ao mundo mais reforçou a energia vital, que permitia alçar voos novos, que dava asas ao sonho e não permitia que deles desistisse. E o Kalil Gibran nos ajudava nesse intento. Com outros pais, seguimos os conselhos do Kalil:

“Vossos filhos não são vossos filhos. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,

porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força, para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.”

Ontem, completei a transcrição dos dois documentos basilares do projeto Fazer a Ponte. Espero que deles se faça bom uso, pois poderão conferir sustentabilidade legal a outros projetos. 

Compreendeis porque será que não há mais escolas como a Escola da Ponte?

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