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Imbassaí, 30 de outubro de 2045

As obras do Mestre Darcy sobre a identidade da América influenciaram estudiosos latino-americanos críticos da visão eurocêntrica presente nos estudos sobre os povos originários do Brasil e do sul. Darcy afirmava que, nos trópicos, havia uma outra forma de se viver e de sentir a vida. A Educação do Sul não era o atraso, mas o futuro do mundo.

Vivia-se um tempo de agitação e de esperança, mas a realidade era calamitosa. A Escola Pública fora “sucateada”, eram elevados os índices de evasão de alunos e de reprovação, num país que exilara uma geração de ouro de pedagogos, pioneiros do escolanovismo, cujo legado poderia infletir a crítica situação. Decorridos cinquenta anos, o panorama era idêntico ao da década de oitenta. A “escola pública” se desenvolvera alheia a realidade locais, que era uma “grande peneira de alunos”.

No abril de há vinte anos, atualizávamos e praticávamos Darcy. Até então, o nome do insigne mestre apenas havia sido usado por políticos e universitários em palestras tão festivas quanto inócuas.

Em 1976, a Ponte idealizara o real e realizará o ideal, pusera prática na teoria e teorizara a prática. Porém, 50 anos depois, escutávamos os mesmos discursos, ainda que ornados com novos termos para designar os mesmos assuntos. Meio século decorrido, deparávamos com a sofisticação do discurso, que não disfarçava o imobilismo e a miséria das práticas. E, também, as mesmas perguntas, que escutei em seminários e congressos.

Em 2025, o amigo Matias formulava o que dizia serem “perguntas fundamentais”: i) que pessoas queremos educar (educare/educere), ii) que sociedade queremos construir, iii) que professores queremos nas escolas? iv) que escola queremos?” (sic) E fechava o discurso com esta sentença:

“Depois de respondermos a estas perguntas é que podemos chegar à IA e aos Prompts.” (dispenso o comentário)

Decorreu um quarto de século desde o encontro na casa que Niemeyer concebera para Darcy viver os últimos dias da sua vida e a palestra realizada na Fazenda Itaocaia. Recordo-me de, no final da palestra, a Adriana ter dito que, “já tendo em Maricá a Casa da Maysa, a da Beth Carvalho e a do Darcy Ribeiro, só faltava a do José Pacheco”. Não me deixei lisonjear, mas aceitei o desafio.

Quando assumi ser cidadão maricaense, o convite foi reforçado pela secretaria de educação, através da formalização de um “termo de referência”. Aceitei o convite, adquiri um terreno e o entreguei à guarda de uma comunidade.

A implantação de protótipos de comunidade de aprendizagem marcaria a transição para práticas fundadas nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação, propiciadoras de um desenvolvimento local sustentável e de educação integral: contemplando a multidimensionalidade da experiência humana – afetiva, ética, sócio emocional, cultural, intelectual, espiritual.

Nos anos anteriores, muitas vezes, subira o morro de Santa Teresa, para, na fundação que levava o seu nome, aprender a “Praticar Darcy”. Atormentado pelo torpor das metástases, Darcy ainda conseguiu traduzir “tudo o que o Brasil poderia ser e ainda não era”.

“O povo brasileiro” é reflexo do convívio com as comunidades do Xingu, uma mistura de experiências colhidas na espiritualidade africana, na sabedoria e tecnologias sociais de portugueses, italianos, alemães, japoneses, judeus, árabes e outros povos, que constituíam um criativo caldo cultural. Mas como disse o Mestre, esse enorme potencial foi historicamente “entravado pela classe dominante medíocre que impede o desenvolvimento da civilização brasileira”.

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No mês de abril do ano 2000, Rubem visitou uma escola, que viria a referir nas suas palestras, até ao fim da sua vida. A Escola da Ponte havia sido a primeira a consolidar a transição entre o paradigma da instrução – o do ensino centrado no professor – para o paradigma da aprendizagem.  Na esteira da Escola Nova, o aluno era o centro do ato de aprender. E o meu amigo surpreendeu-se com o elevado grau de autonomia dos alunos, comoveu-se com os prodigiosos gestos de solidariedade e manifestações de ternura, que ali presenciou.  Pela via da emoção, me trouxe para o Brasil e para ele vai a minha gratidão, nestas poucas linhas: Querido amigo, falando de tempo – essa humana invenção de que te libertaste –, reparo que já decorreram vinte e cinco anos sobre um remoto dia de abril, em que, pela primeira vez, partilhaste o cotidiano da Escola da Ponte e me convidaste a conhecer educadores do teu país.  Desde então, a minha peregrinação pelo Brasil das escolas não cessa, como não ce...