No novembro de há vinte anos, o amigo Léo nos presenteou com uma oportuna mensagem:
“Bom
dia!
Reelaborei
o texto que comecei ontem. Segue. Se quiserem comentar, agradeço.
Confesso que essa tem sido minha forma de processar o improcessável:
*A
Barricada da Indiferença: Onde a Educação Encontra a Barbárie*
Ainda
estou digerindo o ocorrido no Cefet/RJ. É uma tristeza sem tamanho que me
atinge de todos os ângulos. Estou abalado não apenas pela empatia com as vidas
perdidas — duas mulheres cheias de vida e um homem atormentado —, mas pelo que
esse duplo feminicídio seguido de suicídio revela sobre a nossa estrutura
social e educacional.
Estamos
diante de um cenário onde microagressões transbordam até se tornarem atos de pura
crueldade. Duas servidoras foram vítimas de uma estrutura extremamente
machista, e o autor, um homem ocupando um emprego historicamente
"destinado" às mulheres (pedagogo), possivelmente vivia o conflito de
subordinação a uma chefia feminina. Quem está na Rede Federal sabe, talvez na
pele, como a relação hierárquica é atravessada pelo gênero e pela desigualdade
abissal entre as carreiras docente e técnico-administrativa.
Mas
o que mais me assusta é o pano de fundo desse horror: um projeto decrépito de escolarização.
Relatos dão conta de que, mesmo com os tiros, houve docente que montou
barricada na porta e continuou a aula. Essa atitude é o sintoma máximo de um
modelo que não rompeu com os preceitos da ditadura, perpetuando a lógica
tecnicista da Lei 5.692/71. Para esse modelo, a morte "atrapalha o
trânsito", e a solução é fechar a porta e seguir com o conteúdo, como se a
vida lá fora não importasse.
Precisamos
parar. Precisamos desaprender esse tipo de sociedade fragmentada que não tem
espaço para o sentir. Não podemos esquecer que isso não é um caso isolado:
tivemos o professor que morreu em Goiás esperando transferência, as professoras
no Paraná sucumbindo à cobrança excessiva, e muitos outras situações que só
consigo analisar como situações de crise sistêmica: estamos normalizando a
barbárie.
A
resposta institucional reflete essa lógica. Enquanto o campus Maracanã suspende
atividades de 1º a 5 de dezembro para perícia, as demais unidades apenas
decretam luto oficial, mantendo a rotina. E nas outras 180 mil escolas do país?
Apenas lamentos virtuais.
Quanto
tempo para que o Cefet/RJ volte à "normalidade"? Se nem a pandemia
rompeu a lógica produtivista, temo que dois corpos femininos no chão também não
o farão. Precisamos urgentemente nos ver, enxergar a boniteza da diversidade em
cada existência e desconstruir essa escola que ensina técnica, mas falha em
ensinar humanidade. Afinal, não podemos aceitar que morreram apenas na
contramão, atrapalhando o tráfego de um sistema que se recusa a parar.
Agradeci
ao meu amigo a oportuna missiva e lhe disse:
“Que
as mãos nunca te doam, meu amigo. Até quando iremos consentir que um sistema
hierárquico, autoritário, obsoleto e corrupto engendre tragédias? O que impede
a sua regeneração e humanização?”
À margem de fingimentos, incoerências e absurdos, pacientemente, desenvolvíamos
um projeto de formação promotor da reelaboração da cultura profissional de
educadores éticos, na consideração do educador como sujeito de aprendizagem, em
equipe, na dignidade do exercício da profissão das profissões.
Nesse
tempo, se sucediam reformas, programas e projetos, que não punham em causa o
“sistema” – a “barbárie” de que o amigo Leo falava tinha origem
socioinstitucional, era gestada em práticas de barbárie pedagógica.
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