Há mais de cem anos, Eurípedes Barsanulfo contratou professores negros para a sua escola. Imaginai a reação dos coronéis locais! A gripe espanhola o vitimou e a sua obra entrou em declínio, se dissipou. Mas, mesmo que Eurípedes não tivesse desencarnado, o “racismo” dos fundamentalistas da época teria acabado por destruir o seu projeto.
Em
1907, Eurípedes antecipava, em mais de cem anos, os movimentos antirracistas do
século XXI. Ele sabia que o racismo ensinado na família, na sociedade e na
escola, também se pode desaprender na família, na sociedade e na escola.
No período renascentista, utopia era
quase sinónimo de protesto e no século XIX, as percursoras tentativas de
Fourier e Owen visaram passar ao real o ideal de Morus ou de Campanela.
Importará reconhecer que, se Tomás Morus
escreveu a sua “Utopia” baseado num opúsculo de Américo Vespuci, talvez seja
necessário suliar a busca de novas utopias. Foi no Sul que Vespuci encontrou um
mundo onde “todas as coisas eram comuns”, onde “cada pessoa era dona de si
própria”. Foi no Sul que o navegador deparou com a concretização da utopia de
não haver ricos nem pobres, uma sociedade mais humanizada do que a europeia.
A América viu concretizar-se a primeira
experiência utópica renascentista. Em 1530, Vasco de Quiroga, juiz e bispo de
Nova Espanha, fundou um colégio conservando as línguas autóctones e proibiu a
escravidão dos índios. Depois, no hiato de cinco séculos, houve um desvio de
rota...
Quando quis celebrar os feitos do Gama,
Camões partiu dos relatos de Caminha e achou no Sul a sua “Ilha dos Amores” – suliou
o canto IX, ainda que o norteasse no estilo. O épico antecipou em quatro
séculos a utopia de Agostinho, também ele navegante do sul. “Utopia” deixou de
ser somente um vocábulo criado a partir do grego “lugar inexistente”. O
Agostinho cultor de Vieira demonstrou ser viável no Brasil a profecia de Tomás
Morus. Aliás, tratar-se-ia apenas de recuperar o viver fraterno, igualitário,
que caracterizava este território, antes da chegada dos europeus.
Os jesuítas fundaram a comunidade dos
Sete Povos das Missões. Com heróis, como Sepé Tiaraju, organizaram as comunidades indígenas, protegendo-as da
escravatura e da extinção. A sanha assassina que se abateu sobre as Missões
repetir-se-ia na destruição de Canudos. Esses exemplos, tão maltratados pelos
historiadores que fizeram a história dos vencedores, constituíram dramáticos
prenúncios do retorno da utopia às terras do sul, cujos povos inspiraram os
falanstérios, os albigenses e cátaros, a Icária e a Nova Harmonia.
Sempre me consideraram como uma espécie
de aprendiz de utopias. O certo é que partirei deste mundo tão utópico quanto
pude ser. E tão ou mais utópico do que quando ajudei uma comunidade a concretizar
a utopia de a todos garantir o direito à educação. isto é: em 76, uma escolinha
do norte de Portugal colocou o aluno no centro do processo de aprendizagem, pôs
em práxis os princípios da Escola Nova de Dewey, os princípios da Escola Cidadã
de Anísio, os princípios da educação integral de Darcy, a inclusão escolar e
social dos seus alunos.
Nos idos de 60, a sociologia da educação já havia demonstrado que a
chamada “escola tradicional” – a da sala de aula, da turma e do semestre -–
reproduzia um modelo escolar e social impregnado de valores arcaicos. Direta ou
indiretamente, as práticas decorrentes dessa matriz axiológica contribuíam para
a perenização do racismo, da exclusão, da barbárie
instituída.
PS: Não
vos esqueçais de elaborar a linha de base da qualidade da educação do vosso
município.
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