Pedi à Eliza que me emprestasse palavras para esta carta, excerto de um e-mail de há vinte anos:
“Não imaginas a minha alegria
de ser compelida a ler, mesmo quando os olhos se fecham involuntariamente e a
cabeça e o corpo clamam por repouso.
Obrigada, muito obrigada, por reacender a chama no meu coração de
educadora (...) adoro instigá-los a questionar sobre o que veem, leem, ou
pretendem conhecer. É fantástico, maravilhoso o brilho nos seus olhos, quando
fazem alguma conexão com algo que já sabiam, ou que finalmente faz sentido.”
Nas iniciativas de Darcy se fez sentir a influência
de Anísio, Nise, Freire, Nilde, Florestan e muitos outros ilustres educadores –
infelizmente, Darcy não escutou a recomendação de Lauro de que não fizesse
“pedagogia predial”.
O início da década de sessenta foi a época de ouro
da educação brasileira. Depois, sucedeu a destruição de projetos como o dos
CIEP ou dos Colégios Vocacionais, o exílio.
Nos idos de vinte e cinco, de milhares de projetos
que, ao longo de meio século, eu ajudara, restavam algumas dezenas. Então, dirigi
a educadores resilientes o convite para praticar um Darcy atualizado.
Era frustrante ver a chama criativa se apagar dentro
de salas de aula de prédios a que chamavam “escolas”. Por
saber que a chama se apaga e a memória dos homens é curta, reabri a gaveta onde
guardo recados de alunos e folhas de diários. Encontrei alguns registos dos
idos de 76.
O
tempo amareleceu as folhas dos cadernos onde as crianças deixaram ficar pedaços
de vida. Aos nove anos, o Fernando disse o que queria ser quando fosse grande,
escreveu os projetos do seu futuro, para sempre destruídos num estúpido
acidente de bicicleta, que ele comprara com os primeiros salários de tecelão.
Outros não chegaram a adultos, por se deixarem envolver nas teias que o tráfico
tecia. Houve, também, quem abandonasse a escola e optasse pelas lições que a
escola da vida oferecia. Outros diziam “querer mudar de vida”.
O
sem sentido da Escola se traduzia no que me diziam os pais:
“O
senhor professor que me diz? Eu acho que o Jorge já tem idade para ir com o tio
para as feiras. Se não vai, só me apanha vícios, más companhias.
A
Cristina já não anda aqui a fazer nada. E olhe que o que ela gosta mesmo é da
costura. O senhor fecha os olhos... e eu nem me importo que me cortem no abono.
Assim, sempre já vai ganhando algum para a casa”.
Que
quer, Professor Zé? A gente é pobre e a minha Gracinda já anda, vai para oito
meses, na confecção. Ainda não lhe pagaram, mas dizem que, se continuar assim,
lhe vão dar dez contos por mês. Mas, se ela disser alguma coisa, ainda vem
parar-me à rua! Ela até faz sábados e, às vezes, até domingos. Mas que quer que
lhe faça? Quando há uma encomenda urgente, também trabalha à noite”.
Entre
a escola e vida, se construíam e destruíam destinos. Volvido meio século, as situações de abandono e insucesso escolar eram
de outra natureza, mas produziam os mesmos efeitos.
Nas
minhas conversas com professores, muitas vezes escutei expressões deste tipo:
“Eu
gostaria de mudar a minha prática, mas...”
Eu
respondia com uma rude interpelação:
“O
que o impede de mudar? Gostaria, ou
quer? Decide!”
Havia
quem quisesse, mas não quisesse, quem tentasse e hesitasse, embalando a
incoerência num blá, blá, blá, entre o lamento e a autocomiseração. Desisti
de me preocupar com inovadores não-praticantes.
Investi toda a minha energia na fraterna ajuda àqueles que, no chão da escola, concretizavam
princípios.
A propósito: no mês de novembro
de 2025, o meu amigo Leo publicou um “desabafo” que vos darei a conhecer na
cartinha de amanhã.
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