Ainda retomando o relato de ontem, descrevendo a situação das bibliotecas escolares…
Raramente,
via alguém dentro dessas bibliotecas, apenas funcionários, conversando, batendo
teclas num computador, trocando mensagens em redes sociais. Por duas ou três
vezes, assisti à pesquisa feita por alunos, assistidos por solícitos
bibliotecários, por não saberem localizar os livros necessários. Também escutei
a conversa de um ruidoso grupo de técnicos de uma secretaria de educação, que
invadiram a biblioteca, por não haver... sala disponível para reunir.
Uma
criança segredou-me ao ouvido que os professores “mandavam de castigo para a
biblioteca”. E acrescentou:
“Mas, a senhora da biblioteca é boazinha, deixa a gente ficar no
computador, na internet e a fazer jogos no telemóvel”.
Um
ministro fez chegar a todas as escolas e departamentos da administração
educacional uma biblioteca dos professores, constituída por mais de uma centena
de obras de indispensável leitura. A maioria dos professores ignorava a
existência dessa excelente coleção de livros. Os cartões de registo de
“empréstimo” colados na contracapa dos livros estavam em branco. Quando entrava
na biblioteca de sala de professores, ou a da escola, pegava em alguns desses
livros e constatava que ninguém os pegara, ninguém os lera. A quem conviria
ocultar essa triste realidade?
Fui a
Caetité, visitar a casa onde Anísio viveu os últimos
anos da sua vida. Acolheram-me na casa
que foi sua. Mostraram-me o leito em que dormia, o berço que se presumia ter
sido o seu, livros e objetos vulgares, que foram tocados pelas mãos de um
gênio. À saída, detive-me junto a uma das derradeiras fotos de Anísio – está na
melhor companhia a que um educador pode aspirar: crianças.
Em Caetité, encontrei boa gente com muita vontade de
melhorar. Mas não resisti a perguntar:
“O que existe de Anísio nas escolas de Caetité? Qual o
legado de Anísio, que se faça presente nas práticas escolares?
Respondeu-me um embaraçado silêncio.
Ao
adentrar os cafundós da educação baiana, me apercebi
de que os brasileiros conheciam Anísio somente de nome. Quase nada teriam lido
do muito que escreveu. O tempo aliou-se à incúria dos homens para apagá-lo da
memória dos educadores brasileiros. Conheciam Freire de meia dúzia de leituras
mal digeridas. Ornamentavam projetos de escola com citações dos mestres, mas
não os cultivavam. Na formação, adquiriram vagos contributos de ilustres
pedagogos estrangeiros, mas não conheciam a obra de Eurípedes e nunca ouviram
falar de Lauro ou de Agostinho.
Procurei na cidade uma lápide ou um busto que o evocasse.
Não encontrei. Mistério e silêncio encobriram as circunstâncias da morte de
Anísio. Consta que foi encontrado em posição fetal, entre as molas do fosso de
um elevador, sem vestígios de com elas ter colidido, numa presumível queda. Talvez
com marcas de agressão. Talvez, porque questionar esses tenebrosos tempos era
tabu. Ao que parece, sepultaram-no sem que as conclusões de qualquer inquérito
fossem dadas à luz. E a luz que Anísio lançou sobre a Educação do Brasil também
se extinguiu com ele. Anísio morreu duas
vezes.
Passei
longas e saborosas horas lendo livros da biblioteca que Anísio nos deixou. Num
desses livros, Anísio falava-nos de um “divisor de águas entre duas “mentalidades,
que se defrontavam no Brasil: de um lado, os que, explícita ou implicitamente,
não acreditavam no Brasil, e de outro, os que achavam que a nação se poderia
redimir pela educação.
Verifiquei
que nenhum livro da biblioteca da Casa de Anísio tinha sido utilizado.
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