E lá fui até Brasília, para conversar com gente boa do ministério (sim, gente boa, acreditai que naquele lugar mal frequentado, existe gente boa). Vivi na capital por sete anos, trabalhei (“pro bono”) com ministros, secretários de educação, escolas, instituições várias. Aprendi.
Com
o saudoso Isaac, o Pedro e outros insignes educadores, reaprendi Anísio, Nilde,
Nise e Darcy. Com a Marta da 115 Norte e outras amigas e amigos, aprendi
lealdade a princípios, mas também aprendi a proteger-me “da maldade de gente
boa e da bondade da pessoa ruim”. O Chico César bem nos avisava e, um dia, vos
contarei uma estória que ilustra esta sentença. Hoje, vos falarei do meu amigo
António.
Vai
para vinte anos, o amigo António me convidou para redigir um prefácio para um
livro que, se não se tivesse quedado pela teorização, prestaria um excelente
serviço à causa da Escola Pública. Tratava-se de uma obra rara, dado que o seu
autor habitava do chão da escola. Falava-nos de uma práxis, isto é: de uma
prática coerente com a fundamentação teórica, que o autor muito bem sinalizava.
A
obra expunha algumas preocupações, nomeadamente, sobre a necessidade de se
aprofundar o conceito de " flexibilização curricular". Surgia num
momento crítico, num tempo em que decorria mais uma tentativa de “autonomia e
flexibilização curricular”. Eu, que já passara por quatro projetos de
“flexibilização”, por quatro oportunidades perdidas, sabia que pouco ou nada fora
flexibilizado com esse novo velho projeto. A intenção seria, secundando a obra
do António, a de procurar evitar que a generosidade dos colegas que participavam
do projeto se convertesse, mais uma vez, em desilusão.
Causou-me
grande espanto e apreensão ver uma proposta de "flexibilização"
reduzida a um singelo jogo de somas e subtrações de tempos letivos. Apercebi-me
de que a ênfase na "organização" se referia a passar de trimestre
para semestre e outras minudências.
Um
projeto desse tipo pressupunha autoiniciativa, não se poderia restringir à
adesão a propostas ministeriais. Fora o hábito de mera interpretação técnica de
diretrizes, em detrimento da iniciativa das escolas, a mesma que condenara ao
esquecimento muitas úteis iniciativas, que as transformou em clonagens sem
nexo.
Há
bem pouco tempo, no decurso de um debate, alguém perguntara por que se tinha
reduzido tempos numa determinada disciplina e aumentado em outra. Ninguém se
dignou responder. E haveria resposta? Se a compartimentação disciplinar
contrariava a emergência de verdadeiros projetos educativos, também a neurótica
preocupação de dar o programa fazia prevalecer a lógica do ensino em detrimento
da lógica da aprendizagem e produzia uma "caricatura" de
flexibilização curricular.
Analisei
as fichas de avaliação do chamado “projeto de flexibilização curricular”.
Deparei com itens como: ““% de carga horária a gerir
livremente”, ou “carga horária (minutos) por ciclo/nível e ano”. Eram “contas
de mercearia”, que denotavam um determinado conceito de currículo.
O
que mais me desgostava era o fato de ser alguém formado em ciências da educação
a coordenar esse inútil projeto, pois eram obscenas a conivência com espúrios
desígnios ministeriais e as trágicas consequências que engendrou.
Por
exemplo, em Portugal, o António acreditou na bondade do ministério e bem se
tramou! Desgostoso, pediu aposentadoria e não mais quis ouvir falar de educação.
No Brasil, a diretora Fabi tentou fazer da sua escola uma escola de educação
integral – foi punida com dois meses de suspensão, sem salário.
.png)