Os projetos humanos contemporâneos não se coadunam com práticas escolares concebidas, há mais de duzentos anos e que carecem de um novo sistema ético e de uma matriz axiológica baseada no saber cuidar e conviver. Urge abandonar estereótipos e preconceitos, transformando uma Escola obsoleta numa escola que a todos e a cada assegure oportunidades de ser e de aprender – que confira a todos os seres humanos o direito à educação.
Urge
regenerar e humanizar um sistema de ensino obsoleto, hierárquico, autoritário e
corrupto, conceber novas construções socais de aprendizagem, nas quais,
efetivamente, se concretize uma educação integral.
Urge
constituir redes de comunidades de aprendizagem, que promovam desenvolvimento
humano sustentável – a educação é convivencial. Se a modernidade tende a
remeter-nos para uma ética individualista, nunca será demais falar de
convivência e diálogo enquanto condições de aprendizagem.
A
partir do que somos, do que sabemos e do que sabemos fazer, urge afirmar a
possibilidade de mudar e de inovar. Porém,
o campo da inovação está armadilhado.
Durante
quatro anos, andei por terras mineiras, assentei arraiais perto de Brumadinho,
lugar onde centenas pereceram por humana incúria. Por essas paragens e em Belo
Horizonte conheci a Isabel, o Helder, a Norma, a Maria, a Gracinha e muitos
outros anônimos educadores, de quem não resta memória escrita, nem do bem que
fizeram. Cada qual a seu modo, tentaram desocultar uma estranha cegueira,
epidemia de que muitos professores padeciam.
Talvez
já conheçais esta estória, mas arrisco contá-la...
Decorria
o mês de maio de 1968, quando Agostinho da Silva assim falou perante os
deputados da Câmara:
“Na Universidade, o professor tem sido um
sujeito que entra para dar aulas. A Universidade ficou no século XIX e os
alunos já estão no século XX, ou no século XXI”.
Meio
século decorrido, Bauman falava-nos de
uma cegueira moral, de uma cegueira ética, a cegueira daqueles que veem,
enquanto Saramago metaforicamente se referia a uma cegueira social, quando apelava
ao dever moral dos que enxergam.
No
seu “Ensaio sobre a Cegueira”, usou a expressão “cegueira branca”, não se referindo
à cegueira física, mas à cegueira moral, a uma peculiar “patologia”. O termo foi
usado para representar a recusa de ver:
“O medo cega, o medo nos cegou, o medo nos
fará continuar cegos.”
Sendo a
cegueira social uma sutil forma de alienação, Saramago nos convidava a uma
reflexão sobre o estarmos cegos:
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
Talvez
fosse intenção do autor recorrer à palavra “repara” numa dupla conotação: ao
ato de “ver, claramente visto”, como Pessoa diria. Mas, também, ao ato de
“reparar”: posicionar-se, agir para corrigir.
Vivemos
num tempo de cegueira branca e fingimos não ver:
“É desta massa que nós somos feitos, metade
de indiferença e metade de ruindade” – concluía o pessimista Saramago.
Nutro
profunda admiração pelo escritor, mas opto por ser esperançoso, por acreditar
na remissão dos pecados da minha espécie. Apesar do que vejo…
Aproxima-se
o final de novembro, mês em que apelei a que tomásseis uma decisão ética
essencial – a nossa cultura pessoal e profissional é o principal obstáculo à
mudança – agora, vos convido a completar o cumprimento das tarefas previstas no
nosso processo formativo, a saber:
Participar nas redes de comunidades de
aprendizagem;
Ensinar a
praticar pesquisa;
Instalar dispositivos de reconfiguração das práticas;
Praticar avaliação formativa, contínua e sistemática.
Amanhã, concluiremos o rol de tarefas.
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