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Inoã, 14 de dezembro de 2045

Eu concordava plenamente com a proposta e os objetivos do projeto de educação integral e considerava a sua base teórica como quase-perfeita. Mas a sofisticação do discurso contratava com a miséria das práticas.

Analisei mais de meia centena de práticas e nenhuma produzia “aprendizagens significativas e emancipatórias”. Apenas em algumas salas de aula encontrei um ou outro professor que tomava tímidas iniciativas de mudança.

A promoção de “oportunidades educacionais, sociais, culturais, esportivas e de lazer” decorria, quase sempre em contra-turno, na linha de uma pedagogia compensatória, completamente divorciada das atividades letivas.

A integração entre escola e comunidade era uma “miragem”. Apenas alguns professores, de modo isolado, atingiam esse desiderato. A gestão democrática estava ausente e a Meta 19 do Plano Nacional de Educação fora ostracizada.  No contexto de uma escola a quem era imposto um modelo de ensino obsoleto e corrupto não fazia sentido falar de “cidade educativa” ou de “cidade educadora”.

Os projetos das escolas que estudei não foram “reorientados” na perspetiva da educação integral. sempre os encontrei “em revisão” ou alvos de “cosmética pedagógica”.

Em 2025, as práticas prevalecentes na maioria das escolas estavam subordinadas a uma racionalidade técnico-instrumental e burocrática, que conduziu a educação básica a uma situação que mesmo os indicadores tradicionais diziam ser insustentável.

Eram elevadas as taxas de defasagem idade-série, de reprovação, de abandono e fracasso escolar. Vinte e quatro milhões de brasileiros eram classificados de analfabetos, quase metade dos estudantes não completavam o ensino fundamental e o médio. A prova ABC apontava para o fato de quase metade dos estudantes deixarem o ciclo de alfabetização sem saber ler.

A evasão escolar ultrapassava os três milhões de jovens. O nível de proficiência em Língua Portuguesa e Matemática era menor que 10%.

O IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –, de algum modo, refletia essa situação. Esse “indicador” criado pelo Governo Federal pretendia medir a qualidade do ensino nas escolas públicas. Era calculado com base no desempenho dos alunos na Prova Brasil e na taxa de aprovação e evasão. Medido a cada dois anos, era apresentado numa escala que ia de zero a dez. Em função dos resultados, o Governo Federal definia quais as escolas que precisariam de investimentos. Para que uma escola pudesse ser considerada de bom nível, precisaria alcançar uma nota igual ou maior que 6.

O IDEB do município de que vos tenho falado mantinha-se num nível baixo. E já se pensava em bonificar, “gratificar” professores e escolas. As escolas brasileiras aspiravam alcançar um IDEB médio igual ou superior a 6, em 2022. Tal não aconteceu – ao se perpetuar o modelo instrucionista apoiado numa gestão burocratizada, dificilmente se lograria alcançar o índice 10 do IDEB.

Os dados das pesquisas eram alarmantes. Mas, se ousássemos ir mais fundo na compreensão dos fatores de insucesso, considerando dados que a pesquisa qualitativa evidenciava, alcançaríamos uma noção mais profunda da raiz do problema.

A situação de crise não era apenas originária dos defeitos de uma gestão burocratizada, era produto de uma sutil corrupção intelectual e moral – Darcy Ribeiro já o dissera: “a crise da educação não é uma crise, é um projeto”.

Somente nos anos vinte foram criados indicadores fiáveis – os dados do IDEB mostravam não ter havido melhorias significativas - e o mesmo se verificou até meados da década de 30.

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