Eu concordava plenamente com a proposta e os objetivos do projeto de educação integral e considerava a sua base teórica como quase-perfeita. Mas a sofisticação do discurso contratava com a miséria das práticas.
Analisei
mais de meia centena de práticas e nenhuma produzia “aprendizagens
significativas e emancipatórias”. Apenas em algumas salas de aula encontrei um
ou outro professor que tomava tímidas iniciativas de mudança.
A
promoção de “oportunidades educacionais, sociais, culturais, esportivas e de
lazer” decorria, quase sempre em contra-turno, na linha de uma pedagogia
compensatória, completamente divorciada das atividades letivas.
A
integração entre escola e comunidade era uma “miragem”. Apenas alguns
professores, de modo isolado, atingiam esse desiderato. A gestão democrática estava
ausente e a Meta 19 do Plano Nacional de Educação fora ostracizada. No contexto de uma escola a quem era imposto
um modelo de ensino obsoleto e corrupto não fazia sentido falar de “cidade
educativa” ou de “cidade educadora”.
Os
projetos das escolas que estudei não foram “reorientados” na perspetiva da
educação integral. sempre os encontrei “em revisão” ou alvos de “cosmética
pedagógica”.
Em
2025, as práticas prevalecentes na maioria das escolas estavam
subordinadas a uma racionalidade técnico-instrumental e burocrática, que
conduziu a educação básica a uma situação que mesmo os indicadores tradicionais
diziam ser insustentável.
Eram elevadas
as taxas de defasagem idade-série, de reprovação, de abandono e fracasso
escolar. Vinte e quatro milhões de brasileiros eram classificados de analfabetos,
quase metade dos estudantes não completavam o ensino fundamental e o médio. A
prova ABC apontava para o fato de quase metade dos estudantes deixarem o ciclo
de alfabetização sem saber ler.
A evasão
escolar ultrapassava os três milhões de jovens. O nível de proficiência em
Língua Portuguesa e Matemática era menor que 10%.
O IDEB –
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –, de algum modo, refletia essa
situação. Esse “indicador” criado pelo Governo Federal pretendia medir a qualidade do ensino
nas escolas públicas. Era calculado
com base no desempenho dos alunos na Prova Brasil e na taxa de aprovação e
evasão. Medido a cada dois anos, era apresentado numa
escala que ia de zero a dez. Em função dos resultados, o Governo Federal definia
quais as escolas que precisariam de investimentos. Para que uma escola pudesse
ser considerada de bom nível, precisaria alcançar uma nota igual ou maior que
6.
O IDEB do
município de que vos tenho falado mantinha-se num nível baixo. E já se pensava
em bonificar, “gratificar” professores e escolas. As escolas brasileiras aspiravam
alcançar um IDEB médio igual ou superior a 6, em 2022. Tal não aconteceu – ao se
perpetuar o modelo instrucionista apoiado numa gestão burocratizada, dificilmente
se lograria alcançar o índice 10 do IDEB.
Os dados das
pesquisas eram alarmantes. Mas, se ousássemos ir mais fundo na compreensão dos
fatores de insucesso, considerando dados que a pesquisa qualitativa evidenciava,
alcançaríamos uma noção mais profunda da raiz do problema.
A situação
de crise não era apenas originária dos defeitos de uma gestão burocratizada, era
produto de uma sutil corrupção intelectual e moral – Darcy Ribeiro já o
dissera: “a crise da educação não é uma crise, é um projeto”.
Somente nos
anos vinte foram criados indicadores fiáveis – os dados do IDEB mostravam não
ter havido melhorias significativas - e o mesmo se verificou até meados da
década de 30.
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