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Jaconé, 12 de dezembro de 2045


(continuação da cartinha anterior)

Como, ontem, vos disse, o primeiro dos círculos de aprendizagem surgiu na Morada das Águias e foi fruto de um Núcleo de Projeto, primorosamente coordenado pela minha amiga Malu e constituído por generosos e generosas educadoras: a Lourdes, a Denize, o Bruno, a Francis, a Ana, o Evaldo, o André, a Clarice, a Bea, a Patrícia – à distância de 20 anos, importa evocar os nomes de corajosos educadores e educadoras que, em sombrios tempos, ousaram colocar em ato o seu amor pelas crianças.

Continuemos lendo a síntese do relatório elaborado entre os anos de 2022 e 2025.

O quadro normativo da Secretaria tinha por referência o paradigma da instrução, carecia de revisão e adequação a necessidades sociais e escolares do século XXI.

No período em que realizei a pesquisa, mostrou-se urgente rever o modelo de gestão das escolas, passando de uma tradição hierárquica e burocrática para decisões colegiadas, colaborativas, com a direção entregue à comunidade, em conformidade com o inciso VI do artigo 206 da Constituição Federal. A promoção da gestão democrática ainda não passara de intenção, nenhuma iniciativa de conceder uma real autonomia às escolas (artigo 15º da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) fora tomada. A Meta 19 do Plano Nacional de Educação não fora cumprida.

Predominavam nas decisões de política educacional critérios de natureza administrativa, quando deveriam prevalecer critérios de natureza científica e pedagógica. Não se deveria confundir desconcentração com descentralização de poderes. As escolas deveriam assumir práticas de gestão colegial, em substituição de órgãos unipessoais, órgãos como os conselhos de direção, em cuja constituição a maioria dos membros possam representar a comunidade onde a escola esteja inserida.

Porém, as escolas mantinham-se coniventes com o estímulo da competitividade, enquanto reificam o virtual, mitigando os prejuízos causados pela manutenção de práticas de “escola tradicional”. Até que foi aprovado um primeiro “Termo de Autonomia” por um dos primeiros “grupos de trabalho” de educação integral criados no Brasil – uma possibilidade de assunção de autonomia surgia, após longas reuniões de trabalho. O que, depois, aconteceu, o direi em próximas cartas.

Dispúnhamos de excelentes profissionais, como pude testemunhar na V Mostra de Projetos ditos de “educação integral”. maricá se orgulhava de ter a “maior escola de educação integral”, nas palavras proferidas pelo secretário de educação, no início da “Mostra”. E uma professora da Escola Ataliba, que apresentou um dos projetos, referiu que, no decurso do IV Seminário de Educação Integral”, a minha Jaqueline se manifestara agradada com o trabalho desenvolvido em Maricá.

As práticas observadas não diferiam daquelas que, nesse tempo, prevaleciam na maioria das escolas brasileiras – eram projetos concebidos por um professor, não eram projetos de uma escola. No Brasil de há vinte anos, a racionalidade que lhes subjazia – a herança cultural das escolas da Primeira Revolução Industrial, do século XIX – conduziram a educação a uma situação insustentável. E o erário público era desperdiçado em inúteis ações de formação, assessorias, consultorias…

Seria pertinente questionar o desperdício de recursos e a “incompetência especializada” de muitos “especialistas”, bem como questionar nomeações de políticos para cargos técnicos. Não seria curial que decisões de política educacional assentassem em critérios de natureza científica?

 

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