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Pelourinho, 8 de dezembro de 2045

Eis-nos no dia da Senhora da Conceição. Recordo bons tempos em que eu ensaiava o coro da igreja da Senhora da Conceição – já nessa altura, pedia a interseção da Virgem para a proteção das crianças vítimas de um genocídio educacional: Que Nossa Senhora nos valha!

No alto do Morro da Conceição, no norte de Recife, vê-se de longe a imagem de uma santa, com um manto azul e branco e o olhar voltado para os fiéis, Nossa Senhora reúne devotos ao longo de todo o ano, especialmente em dezembro, quando acontece uma festa centenária que, no ano da graça de 2025, teve a participação de cerca de dois milhões e meio de devotos.

A padroeira de Recife era a Nossa Senhora do Carmo, mas a "Dona Ceiça", apelido carinhoso dado à Senhora da Conceição pelos recifenses, era considerada a "padroeira do coração".

No dia anterior à Festa da Padroeira muitos milhares de manifestantes realizaram atos no Recife e em outras cidades, para protestar contra o aumento dos casos de feminicídio e de outras formas de violência contra as mulheres.

O Brasil havia registrado mais de mil casos de feminicídio naquele ano. E no exato dia das manifestações a Daniele, de Santo André, e a Milena, de Diadema, foram assassinadas pelos seus companheiros. Outra mulher ficou internada em estado grave.

E o que teria isso a ver com… educação? Tudo! A Família, a Sociedade e Escola desses sombrios tempos reproduziam modelo educacional genocida, que os paliativos introduzidos no sistema de ensino e a cosmética ministerial não conseguiam disfarçar.   

A propósito, eis mais um pedaço do relatório de que, ontem, vos falei:

“Urge criar condições de assegurar a universalização do acesso à escola e a permanência com êxito no decorrer do percurso escolar de todos os estudantes. Com esse objetivo, foi realizado um diagnóstico do estado da educação em 74 escolas, num estado e num município (…) A partir de um breve levantamento, serão criados indicadores fiáveis e elaborado um novo protocolo de avaliação. Aquilo que, por ora e em síntese poderei referir, a partir de observações, entrevistas e reuniões nas escolas, é o seguinte:

O IDEB continua estagnado entre o índice 5 e o índice 6. Iniciativas como a contratação de assessores e consultores, ações de formação, palestras, programas, projetos e outras diligências não lograram melhorar as aprendizagens, não houve impacto significativo.

Quando iniciei a colaboração com professores envolvidos em projetos de mudança, deparei com a existência de listas de espera nas escolas. Isto é: jovens em idade escolar não estavam matriculados, por alegada “falta de vaga”, e uma administração burocratizada impedia a transformação das práticas escolares.

Em pleno século XXI, um sistema de ensino sedimentado e obsoleto obriga os professores a práticas escolares do século XIX. As unidades escolares dispõem de escassa margem de autonomia. Quando interpelados relativamente a absurdos procedimentos, diretores de escola dizem “obedecer a ordens superiores” e à “lei da secretaria”. Professores desprovidos de senso crítico, subjugados pelo dever de obediência hierárquica geram alunos acríticos, incapazes de lidar com rápidas mudanças sociais.

Numa breve e incompleta análise (dados que solicitei, nomeadamente, no que se refere ao custo aluno-ano, não me foram fornecidos) verifiquei que a maioria dos alunos estão abaixo do nível 2 em matemática, patamar que a OCDE estabelece como necessário para que o estudante possa exercer plenamente sua cidadania. E é elevada a quantidade de alunos analfabetos literais e funcionais.

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