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Sobral, 6 de dezembro de 2025

Com o avanço da tecnologia comunicacional, a dimensão do espaço físico não impede a conexão com o mundo. Pensando globalmente e agindo localmente, aproximávamo-nos do conceito e da prática de “comunidade de aprendizagem”.

A produção acadêmica, que toma por objeto a comunidade de aprendizagem, consagra o princípio do diálogo igualitário. Esse princípio estabelece que, nos espaços de tomadas de decisão, a comunicação deverá basear-se na força dos argumentos e não em posições de poder. Mas, será possível conciliar o “diálogo igualitário” com a manutenção de uma gestão de escola hierárquica?

Quando se assume que, em comunidade de aprendizagem, se busca trabalhar a gestão da escola em uma perspectiva democrática, participativa e dialógica, por que não se substituí os órgãos de gestão unipessoais por colegiados? A gestão escolar não poderá ser democrática, através da introdução de um órgão de gestão paralelo aos órgãos de gestão tradicionais, ignorando que os diretores estão sujeitos ao dever de obediência hierárquica.

Doutores em Educação e burocratas ministeriais desvirtuaram o projeto das “comunidades de aprendizagem” proposto pelo Agostinho, pelo Flexa, pelo Lauro. No modo como as assimilaram, as chamadas “atuações educativas de êxito”, nomeadamente a “tertúlia dialógica” e a “biblioteca tutorada”, poderiam ser consideradas inovações?

Não o eram! A ministerial domesticação do ”Includ-ed” determinava uma noção reducionista, distorcida, do conceito do chamado “grupo interativo”. Não fazia sentido que a leitura de um livro, no contexto de uma “tertúlia literária dialógica” fosse remetida para o domínio da sala de aula. Nem se percebia por que razão a “biblioteca tutorada” era um espaço aberto em horário contrário ao da sala de aula.

O que se sabia era que um princípio básico de Ramon Flexa, o “diálogo igualitário” deturpado introduzia novas regulações, comprometia o exercício da autonomia. Nas redes de protótipos de comunidades deparamos, hoje, com estes e muitos outros obstáculos à inovação. Na Ponte, conseguimos ultrapassá-los mediante a celebração de um contrato de autonomia.

Chegados a 2025, “comunidade de aprendizagem” só existe nas teses de doutoramento e em palestras de cuspe e power point. Por isso, encarecidamente, pedi que jamais usassem a expressão “comunidade de aprendizagem”. Quanto muito, aqueles que não levavam a escola para a comunidade nem a comunidade para escola, poderiam afirmar que desenvolviam um projeto de comunidade de aprendizagem – um projeto! – consagrando o princípio de que escolas são pessoas e não prédios.

Cheguei mesmo a suplicar que não evocassem o nome de Darcy em vão, se não lhe juntassem Lauro e Anísio e que, se continuassem a encher a boca de “sala de aula”, não ousassem dizer que desenvolviam projetos de educação integral, porque é muito feio mentir.

Aquilo que existe é uma coleção de caricaturas de novidades e modismos pedagógicos. Dar-vos-ei um exemplo de maus-tratos dados teoricistas. Nos idos de 60, deficiente era chamado de “deficiente”, sem mais nem menos; na década de 70, passou a ser “aluno de integração”; nos anos 80, “aluno com necessidades educativas especiais”, quando adentramos os 90, passaram a ser chamados “alunos de inclusão”; na viragem do século, ganharam o epiteto de “atípicos”; mais recentemente”. Que mais irão os doutorzecos inventar?

Quando chegamos a 2025, doutores e palestrantes enchem a boca de “neurodivergentes” num novo e sofisticado discurso, que nada acrescenta ao que, na prática, se faz.

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